A Moça do maiô azul-turquesa
- Beto Scandiuzzi

- 6 de jun. de 2019
- 2 min de leitura
Zé Ailton era o filho mais velho da tia Dirce, uma das irmãs da minha mãe. Por um tempo, eles moraram numa casa vizinha á nossa, logo depois que deixaram o sitio para ir viver na cidade. Ele era boa-pinta, gostava de andar bem-vestido com uma camisa branca de manga comprida que a mãe clareava no anil. E imitava bem o Nelson Gonçalves, um cantor famoso daqueles tempos. Ele aprendia as músicas lendo uma revista chamada Revista do Rádio e ouvindo a rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Ele tinha um açougue onde eu, nas horas livres, o ajudava entregando encomendas de casa em casa. Mais do que um trabalho era uma diversão, já que ele me deixava usar uma bicicleta que tinha uma roda menor na frente com uma plataforma encima e sobre a qual se colocava a carga. Era única na cidade, uma novidade, e eu sentia orgulho em usá-la.
Foi ele também que me emprestou calção, sunga, meias e chuteiras que usei por primeira vez na vida. Eu já não podia jogar descalço e não tinha grana para comprar a vestimenta. Ele me salvou por uns bons tempos e evitou que eu ficasse fora da minha diversão favorita.
Mas a melhor lembrança que tenho dele, ou relacionado a ele, foi quando apareceu na cidade um casal dizendo que eram artistas e prometendo fazer um show que a cidade nunca se esqueceria. O Zé Ailton se entusiasmou com a ideia e os ajudou a organizar o show.
Houve muita expectativa na cidade, afinal nem sempre a gente podia ver alguma coisa diferente dos dias repetidos e sem novidades. A moça logo garantiu ser descendente direta de russos o que fez aumentar a minha curiosidade, sem que eu soubesse bem o que isso significava. Lembro-me que a noite era escura, havia chovido e bem antes do inicio do show eu já estava sentado na primeira fila.
O homem tocava uma sanfona e cantava enquanto a moça dançava sobre um tablado de madeira improvisado. Mesmo naquele fim de mundo, logo nos demos conta que o show era fraco e teríamos ido embora antes do final se não fosse por um detalhe: a moça vestia um maiô azul-turquesa. Eu nunca havia visto antes uma mulher de maiô e não podia arredar os olhos das suas coxas brancas e grossas. E do encontro das suas pernas, onde eu imaginava se localizava seu sexo, que eu não tinha a mínima ideia de como era. Eu sabia que estava ali, e seguia os seus movimentos tentando desvendar o mistério. Eu devia ter uns oito, nove anos, e meus jovens hormônios começavam a se despertar.
Penso que nossa memória é como um correio antigo, cheio de escaninhos onde a gente vai guardando as lembranças. De vez em quando algumas dessas portas se abrem e despertam as mais antigas memórias ali depositadas.
Não sei explicar, parece que a moça de coxas brancas e descendente de russos e que usava um maiô azul-turquesa não está guardada em nenhum lugar e perambula pela minha memória como velhos e cansados fantasmas que se esqueceram de morrer.
Setembro, 2012

.png)



Comentários