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A moça na arquibancada do Moisés Lucarelli

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 1 de dez. de 2023
  • 3 min de leitura

Houve um tempo em que o futebol não estava nas mãos da TV e do merchandising. Os jogos eram às quartas-feiras à noite e, aos domingos à tarde, horário inamovível: 16 horas. Hoje se podem ver jogos durante toda a semana, em qualquer horário e até mesmo o campeonato chinês de madrugada.

Mesmo assim, meio alheio às notícias locais, achei estranho quando numa destas manhãs um amigo me telefonou: – Vai hoje à noite ver a Ponte?

– Não – respondi. – Hoje é segunda-feira.

– E daí – responde ele. – Jogo importante contra o rebaixamento. Não vou porque estou de plantão.

O amigo é médico e o jogo me ficou na cabeça. Não por um interesse específico, nem sou pontepretano, mas talvez para fazer algo diferente da rotina diária. Abri o celular e anotei o horário do jogo, que me pareceu adequado: 20 horas. O dia passou, nada de importante aconteceu e então decido ir ao campo. Às 19h30 saio de casa e, para surpresa, chove. Não muito forte. Vou caminhando pelas poucas quadras até o estádio. Em poças de água formadas nas calçadas esburacadas caem gotas em forma de globos, parecem soldadinhos a caminho da guerra. Não sei por que sempre volto à minha infância quando vejo essa cena.

E vou passando por essas ruas com pouca luz e que conheço de memória, com casas antigas, baixas, de desenhos simples, retilíneos, telhados cruzados em forma de V, algumas somente caiadas, alpendre num canto, muros baixos e jardins perfumados com hortênsias, roseiras e primaveras e que o progresso vai demolindo dia a dia.

Quando chego frente ao estádio já não chove. A torcida é pouca. Compro o ingresso facilmente: R$10,00, preço para idoso. Nem pediu identidade. Entro no estádio e me acomodo numa arquibancada lateral longe das organizadas. Uma bandinha mequetrefe tenta animar torcedores desanimados. Me divirto com uns quero-queros que brincam no gramado. E com um garoto, estimo, vestido de macaca e que faz malabarismos arrancando aplausos da plateia.

O jogo começa, bola para um lado, para outro, para o alto, emoções poucas, gol nenhum. Os torcedores mais fanáticos se enervam. Me aborreço, tomo água, chupo um picolé aguado, como um pacote de amendoim. O jogo segue igual, ruim. Penso em ir embora quando olho para a direita e a vejo. Sentada a uns cinco metros de mim, destoando completamente do ambiente. É morena, cabelos pretos presos na nuca e veste uma camiseta escura e um short jeans. Tem um rosto alegre, uma beleza juvenil que me impressiona. Está ao lado de um rapaz, mas diferentemente dele que sofre com o time, ela parece não se importar com o jogo. Olha o celular, finge que faz uma selfie, ajeita o cabelo, retoca a maquiagem. No intervalo desce a arquibancada e desfila sob olhares gulosos dos torcedores vizinhos, do meu também. Quando volta, traz um pacote de pipoca que come distraída.

O segundo tempo repete o primeiro. Vou alternando com um olho no jogo e outro nela que segue entretida no celular. Ao final, empate 0X0, se levanta, agarra o braço do rapaz que está ao seu lado, lhe dá beijinho no rosto e saem caminhando em direção à saída alheios aos protestos da torcida contra o presidente. O rapaz, apesar da tristeza pelo time, estava consolado e tinha tudo para seguir feliz em casa. Azar no jogo, sorte no amor!

Novembro, 2023

N.A. – duas semanas depois, no dia 25/11 a Ponte derrotou o CRB e se garantiu na Série B.

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