Acho que é outono
- Beto Scandiuzzi
- 16 de abr. de 2021
- 2 min de leitura
Acho que era no primário, das antigas, mas deve ser assim ainda hoje, quando se aprendia as estações do ano citadas desde tempos ancestrais. Mas foi o polonês Copérnico, século XVI, quem as definiu dentro da sua teoria heliocêntrica do sistema solar. O que se aprende também são lendas como a que diz que as estações do ano não tinham nome nem tempo definido no calendário. Houve confusão e, um dia, se reuniram e solucionaram o problema já que cada uma delas era diferente e únicas ao seu modo. Uma outra, grega, diz que as estações do ano se devem a Deméter, deusa da Terra, baseando-se no tempo que passava com sua filha Perséfone, que teve com Zeus, raptada por Hades, deus dos mortos. Fora da lenda, muitos séculos atrás, havia um tal de estio e as estações eram cinco. Historinhas para entreter crianças na hora de dormir.
Meu pai, que não sabia de lendas tão pouco de astronomia, mas sabia da vida, dividia as estações do ano em duas, simples assim: da seca, sem chuva, e das águas, quando chovia muito. E sabia quando era época de plantio e de colheita, sobrevivência da família. Sem nem precisar consultar a “folhinha” do Sagrado Coração de Jesus que minha mãe pendurava num canto da cozinha.
Sempre me lembro dele quando este assunto aparece, como agora nesse 20 de março, quando se anuncia o outono. Como todas as manhãs, abro a porta da sacada, reparo no dia luminoso que se avizinha e, curioso reviso as novidades do nosso pequeno jardim: o hibisco amarelo que não floriu, normal, de pequeno porte que é, aparece de supetão, a conta-gotas, quando menos se espera; está o bravo e guerreiro gerânio ainda enchendo nossos olhos com suas flores generosas em vermelho escarlate. O jasmim branco está maduro, triste nessa manhã como a pedir água; pode ser que à noite floresça e incendeie o ar com seu perfume intenso e adocicado. Ao lado, antúrios, kalanchoes, vincas, suculentas, samambaias antigas fincadas em xaxins, herança da minha mãe. E orquídeas, que, depois de longa invernada, apontam seus botões prestes a desabrochar em flores de todas as cores. No piso, vários vasos de flores-de-maio esperam ansiosas o maio para florescerem. O ano passado atrasaram, vierem em junho, em troca se fizeram mais lindas que nunca e foram perdoadas.
Debruçada no parapeito da sacada a primavera rosa-avermelhada, revigorada, viçosa, ameaça com a próxima florada, pode ser nesse outono, parecido a primavera, parecido a verão e suas últimas e repentinas chuvas.
Um tucano solitário com seu canto gutural e pausado, num galho escondido da sibipiruna em frente na avenida, faz coro com bem-te-vis, sabiás, sanhaços, rolinhas e pardais portugueses, que de canto não entendem nada. Uma folha seca, amarelada caiu da pitangueira, parecia uma borboleta, e se foi balançando, desequilibrada, em direção ao nada. Atrás dela um vento leve invadiu a sacada, enchendo meu olhar de melancolia. Como diria Rubem Braga: “Acho que esse vento, quase frio, quase morno, era o vento de outono.”
Março, 2021
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