As quaresmas de antigamente
- Beto Scandiuzzi

- 19 de mar. de 2021
- 3 min de leitura
Este ano, como desde sempre, a Sexta-Feira Santa também caiu numa sexta-feira. Diferentemente do Natal, que se comemora sempre no dia 25 de dezembro, a morte de Jesus não tem data fixa. Pode ser em março ou abril! Coisas da igreja ou de um tal equinócio da Primavera! Neste ano, por coincidência, me encontro no meu lugarejo, onde passei todas as Sextas-Feiras Santas da minha infância e adolescência.
O dia amanheceu limpo, iluminado. De um azul cristal, sem nenhuma gota de nuvem a macular tanta pureza. Com ares de santa e nada de sexta-feira, que me lembra sempre medo, inferno, pecado. Confesso que quando criança não gostava das Sextas-Feiras Santas. E menos dos dias de quaresma que antecediam este dia.
Eram quarenta dias de proibições, orações e penitências. Assim pregava o padre, o frei Rosalvo. E minha mãe, que às vezes parecia mais católica que o papa com sua fé inquebrantável! Sem rádio, sem música, sem futebol, sem brincadeira com os amigos. E música, somente as sacras que se ouviam através do alto-falante da igreja em horários pontuais. As quartas e sextas eram dias de jejum. Que significava não comer carne, o que não era lá um grande problema já que em casa carne havia pouca e regrada.
A reza da Via-Sacra, com suas 14 estações, o caminho percorrido por Jesus da sua condenação por Pilatos até a morte e sepultamento. Quando eu fui promovido a sacristão, muitas vezes eu conduzi a reza da Via-Sacra e creio que fui creditado com algumas indulgências que devem ter me ajudado a ser perdoado de parte dos pecados que andei cometendo ao longo da vida e quem sabe evitar o purgatório quando eu morrer.
Na minha casa éramos como um exército da fé: eu, de roupa branca e fita amarela cruzando o peito, era da Cruzada Eucarística, minhas irmãs, de fita azul, Filhas de Maria, meu irmão, de fita azul larga, era Mariano e minha mãe, de fita vermelha, era do Sagrado Coração de Jesus. Meu pai não era de ir muito à igreja, não é que era um descrente, acho que era uma pessoa tão boa e pura que não precisava rezar.
E então havia aquelas procissões vagarosas, arrastadas, tediosas pelas ruas poeirentas e calorosas do lugarejo, homens por um lado, mulheres por outro, uns carregando o Cristo ensanguentado e crucificado, elas, a Virgem sua mãe que vai ao seu encontro. Tudo muito triste, com muita dor e sofrimento.
Mas aí chegava o sábado, Sábado de Aleluia. Cristo havia ressuscitado e era hora de vingança, de sacrificar o judas, dito o Iscariotes, o traidor, uma tradição que foi desaparecendo com o tempo. Cabeça de mamão, corpo de cabo de vassoura e roupas velhas enchidas com palha de milho, serragem e explosivos. Ao meio-dia era amarrado num poste da praça da Estação, malhado sem dó e depois correr em disparada pelas ruas arrastando o pobre coitado incendiado.
E finalmente chegava o Domingo de Páscoa, dia de ir à missa, benzer os ramos que minha mãe depois guardava como ouro em cima do guarda roupa para os momentos de aperto. Não havia tempestade que resistia aos ramos queimados com preces por Santa Bárbara e São Jerônimo.
E a vida voltava ao normal. Finalmente a alegria vencia a tristeza.
Maio, 2008
NA – Crônica antiga escrita quando meus pais ainda eram vivos e eu ainda passava férias no meu lugarejo.

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