Carta a Rubem Braga
- Beto Scandiuzzi
- 16 de jul. de 2021
- 2 min de leitura
Caro Rubem,
Não se espante com essa carta, nunca nos vimos cara a cara, mas eu te conheço lendo e relendo seus livros, um pouco das muitas crônicas que você escreveu. E queria fazer uma confidência a você. Outro dia completei sessenta anos. Você sabe como é, também completou sessenta anos algum dia. E queria trocar uma ideia com você. Olha Rubem, a minha parte otimista diz contente: “Ah, chegamos aos sessenta”; a outra, pessimista, retruca: “Já sessenta?”. E a parte pessimista venceu, comemorei de cara fechada, sem festa, sem banda e sem bumbo. Sem fogos de artificio. Apenas com um pequeno bolo de chocolate, que nem gosto. Em cima, uma única velinha branca e solitária, que teimava em permanecer acesa apesar dos meus insistentes e minguados sopros.
Os dias anteriores à data foram incômodos, tristes, como os dias que antecedem à consulta anual com o urologista. Amigo Rubem, li que você, quando completou cinquenta anos, achava que tinha menos. Também acho, como você, ainda que, contando tantos anos perdidos em “bobageras”, deveria ter, talvez, no máximo uns cinquenta. Mas sessenta me parecem exagerados.
É que, olhando para trás, parece que foi ontem que fiz quinze, sentindo ainda nos lábios aquele sabor doce e ingênuo dos primeiros beijos roubados. Ou vinte e dois, quando brincando de professor encontrei meu amor de toda a vida.
Sabe meu amigo Rubem, na verdade, acho que estão nos roubando. Confesso que se tivéssemos nascido na Alemanha, país sério, teríamos menos anos. Aqui no Brasil, onde se deturpa e se trapaceia tudo, as estatísticas são falsas, é bem provável que estão contando mal a nossa idade. Só pode ser. Mas, quando me olho no espelho, o que vejo são esses olhos sem brilho, cansados, sem cor, esse sorriso amarelo, murcho e sem luz.
É amigo Rubem, parece que não tem remédio, é bem provável que realmente tenha sessenta. O jeito é aceitar, mas resmungando, como diria você, como quem paga, de má vontade, uma conta de bar que está achando exagerada.
Julho, 2009
NA.: Passou o tempo; mas ainda penso que continuam contando mal os meus anos!
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