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Segredos de Aramina

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 16 de jul. de 2021
  • 4 min de leitura

É muito fácil sair pelas ruas de qualquer cidade europeia e encontrar aqui e ali as suas preciosidades turísticas assentadas em séculos de existência e que foram conservadas ao longo dos tempos: Catedral de Notre-Dame de Paris, Coliseu de Roma, ponte Carlos de Praga e umas quantas outras que poderiam encher páginas e mais páginas.

E sem falar umas quantas outras atrações, menos famosas, mais bizarras, como a estátua no cemitério Pere Lachaise de Paris, “do moço largadão sobre a lápide, cujo sexo protuberante sob as calças de bronze acabou ficando reluzente de tanto ser apalpado por moças desejosas de engravidar”, segundo contou outro dia o Humberto Werneck no Estadão.

Mas, sem precisar de passaporte ou ir tão longe, convido-os a visitar Aramina, centenária cidade às margens do rio Grande, na divisa com Minas, berço de muitos heróis e histórias, e onde poderiam apreciar, por exemplo, a marca na parede externa do outrora Bar dos Marçolas, marca que é da cadeira que o Felício Garcia recostava, intacta mesmo passados tantos anos, quando ele se sentava cada fim de tarde a contar histórias fantásticas que ninguém sabia origem nem autoria. Prova não existe, mas sei que meu pai, então ainda um aprendiz, se sentava em frente, com os ouvidos atentos imaginando algum dia contar “causos” tão ou mais extraordinários que os do Felício.

Ou o pé do arbusto Aramina, que está no fundo do quintal do tio Anésio, único exemplar de tantos que havia quando meu bisavô Antônio por lá chegou, e que um dia foi visitado por D. Pedro I, que por lá passava, premido por urgências urinarias, numa das suas frequentes visitas que fazia a Santos a uma tal de Domitila de Castro Canto y Melo, também conhecida como Marquesa de Santos.

Poderiam apreciar as pedras seculares de granito avermelhado do morrinho, parte da serra da Mantiqueira, nos arredores da cidade, terra dos Torrezan, todas com marcas de fuzil, detrás das quais nossos valentes e bravos soldados tentaram impedir o avanço das tropas getulistas em direção a São Paulo durante a revolução constitucionalista de 32. Quem observar melhor poderá encontrar aqui e ali cascos de tatu que os invasores matavam para comer com farinha de mandioca e jabá.

Ou o coreto ao lado da igreja, com sua base octogonal e grades de ferro forjado, projeto atribuído a Leonardo da Vinci e onde a banda musical organizada pelo meu bisavô ensaiava marchas e dobrados sob a batuta de um até então desconhecido Carlos Gomes. Ao lado do coreto, uma plaquinha retangular de bronze informa que naquele terreno, numa casinha que havia antes, num quartinho com uma cama, mesa e vela, em noites de pura solidão, Carlos Gomes rascunhava sua obra-prima “O Guarani”.

Mas o que pouca gente sabe é que o famoso Che Guevara, quando deixou o Congo e já brigado com Fidel a caminho da América do Sul, onde tentaria implantar a sua revolução, pensou em mudar  -se para Aramina. Dizem que havia ficado entusiasmado com as informações recebidas, de uma cidade com clima ameno, ar de montanha, rodeada de bosques centenários de araucária, ideal para os seus combalidos pulmões baleados pela asma.

O plano falhou ao não poder terminar bem a negociação com os proprietários para alugar a casa ao lado da igreja, única que estava vazia à época. Sem acordo, ele se foi a Bolívia onde foi capturado e executado pouco tempo depois. Uma pena, a cidade perdeu uma grande atração turística, e o Che, bem, o Che poderia estar vivo até hoje ou ter morrido de velho, como quase todos por lá.

Abril, 2016

Caro Rubem,

Não se espante com essa carta, nunca nos vimos cara a cara, mas eu te conheço lendo e relendo seus livros, um pouco das muitas crônicas que você escreveu. E queria fazer uma confidência a você. Outro dia completei sessenta anos. Você sabe como é, também completou sessenta anos algum dia. E lhe digo que, a minha parte otimista diz contente: “Ah, chegamos aos sessenta”; a outra, pessimista, retruca: “Já sessenta?”. E a parte pessimista venceu, comemorei de cara fechada, sem festa, sem banda e sem bumbo. Sem fogos de artificio. Apenas com um pequeno bolo de chocolate, que nem gosto. Em cima, uma única velinha branca e solitária, que teimava em permanecer acesa apesar dos meus insistentes e minguados sopros.

Os dias anteriores à data foram incômodos, tristes, como os dias que antecedem à consulta anual com o urologista. Amigo Rubem, li que você, quando completou cinquenta anos, achava que tinha menos. Também acho, como você, ainda que, contando tantos anos perdidos em “bobageras”, deveria ter, talvez, no máximo uns cinquenta. Mas sessenta me parecem exagerados.

É que, olhando para trás, parece que foi ontem que fiz quinze, sentindo ainda nos lábios aquele sabor doce e ingênuo dos primeiros beijos roubados. Ou vinte e dois, quando brincando de professor encontrei meu amor de toda a vida.

Sabe meu amigo Rubem, na verdade, acho que estão nos roubando. Confesso que se tivéssemos nascido na Alemanha, país sério, teríamos menos anos. Aqui no Brasil, onde se deturpa e se trapaceia tudo, as estatísticas são falsas, é bem provável que estão contando mal a nossa idade. Só pode ser. Mas, quando me olho no espelho, o que vejo são esses olhos sem brilho, cansados, sem cor, esse sorriso amarelo, murcho e sem luz.

É amigo Rubem, parece que não tem remédio, é bem provável que realmente tenha sessenta. O jeito é aceitar, mas resmungando, como diria você, como quem paga, de má vontade, uma conta de bar que está achando exagerada.

Julho, 2009

NA.: se passaram 12 anos; ainda penso que continuam contando mal os meus anos!

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