Carta a Oscar Niemeyer
- Beto Scandiuzzi
- 13 de mai. de 2022
- 2 min de leitura
Caro Oscar,
Calma. Eu sei que você não me conhece. Sou apenas um dos muitos admiradores que você foi colecionando por esse mundo afora nesta sua vida (quase) sem fim. Espero que você esteja bem, onde estiver. Por aqui está todo mundo triste pela sua morte. Eu também. Além de triste, um pouco chateado, desiludido.
É, eu entendo essa sua cara de espanto. Te explico. É que eu tinha você como guia, não na arquitetura, mas na forma como ia vencendo a morte. Eu achava que você nunca iria morrer, que iria viver eternamente.
Caro Oscar, te confesso que estou naquela fase da vida, mais para lá do que para cá e, como disse o papa, se aproximando do último trecho, onde o cheiro da morte de vez em quando roça o meu nariz. Outro dia a vi espreitando atrás da porta com aquela roupa preta e cara de caveira e tive que dar-lhe umas vassouradas para ela ir embora. Mas eu sei que ela não foi. Ou pode ser que foi, mas é certo que voltará.
É cada vez mais difícil ficar longe dela. Está em toda parte. Abro o jornal de manhã e lá estão os que morrem na cidade, alguns já conhecidos. Vem a revista do clube e lá estão os companheiros do futebol e que já foram jogar no time do céu, depois chega a revista dos aposentados da empresa, com a lista dos que trabalharam comigo e já se aposentaram no cemitério. Se ligo para os meus irmãos, eles logo emendam que morreu algum conhecido lá da nossa terra; não sei como o pequeno lugarejo ainda não fechou as portas por falta de vivo.
Nesses momentos, eu sempre pensava: por que não fazem como o Oscar? Ele sim sabe enfrentar e driblar a morte. Ele é a nossa esperança.
Tanto que procurei copiar alguns dos seus hábitos, que deixavam seus médicos (que já morreram) estressados, esse de beber vinho tinto, fumar charuto, comer carne vermelha. Agnóstico eu já era, já havia folheado Marx, só não sabia como ser comunista, você sabe, já não existem tantos e os que haviam já viraram capitalistas. Aí me lembrei de que você se casou aos noventa e oito anos por segunda vez com uma mulher bem mais jovem e pensei: será que é isso que faz a diferença?
Os jornais cansaram de fazer o seu obituário e toda vez que você visitava o hospital com alguma dorzinha eles tiravam o dossiê do armário, passavam o espanador e acrescentavam algumas linhas. E você logo ia para casa, explicava que não havia sido nada e eles, frustrados, tinham que devolver a papelada para a gaveta.
E, em vez de morrer, você seguia desenhando palácios com curvas de mulher, fazendo prédios em forma de disco voador, igrejas com mãos em forma de prece. Mas aí, de repente, você morre, e eu fiquei órfão. Por segunda vez. O jeito é resignar.
Acho que minha mãe tinha razão, não vai ficar ninguém para a semente!
Dezembro, 2012
– Oscar Niemeyer morreu dia 5-12-2012, dez dias antes de completar 105 anos.
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