O Abacateiro e o Hibisco
- Beto Scandiuzzi
- 23 de jul. de 2024
- 2 min de leitura
Eu ouvi aquele barulho ensurdecedor de serra elétrica e logo pensei estar sonhando talvez influenciado por tantos debates diários na mídia escrita e falada contra os supostos incêndios e a derrubada iminente da nossa floresta amazônica. Mas não. Afiando os ouvidos, percebi que não era sonho, o ruído era real e vinha de algum lugar ao redor do edifício onde moro. Era bem de manhã, levantei-me e olhei pela sacada que dá para a avenida em frente, pensando que eram os homens da prefeitura podando as sibipirunas e as buganvílias. Não era, por sorte. Caminhei então até a janela que dá para os fundos do apartamento e lá estava a origem do ruído: um sujeito em cima de uma escada cortando os galhos de um abacateiro vizinho.
Quem vive num apartamento olha o mundo pelas janelas, no meu caso duas: uma, a sacada de frente e a outra que dá para os fundos. Era por essa que toda manhã, desde quando para cá nos mudamos, muitos anos atrás, que eu dizia um bom-dia ao abacateiro que vi crescer de um quintal vizinho que nesse começo de primavera está todo florido com folhas verdes e novinhas. Dizem que quando floresce assim tão lindo não dá frutos e compensa essa debilidade oferecendo a beleza das suas flores. Em dias de vento a favor se podia sentir o perfume adocicado das flores.
Durante todo o dia e o dia seguinte estiveram serrando o abacateiro, que era grande, alto com uma copa arredondada que invadia os quintais laterais da casa onde estava plantado. E acho que era essa a razão da sua morte: os seus galhos, distraídos, avançaram para cima das casas e quintais vizinhos e devem ter molestado aos insensíveis proprietários. É uma hipótese. Outra não vejo para derrubar tanta beleza.
Interessante que com tanto barulho não apareceu nenhuma ONG nem repórter de TV para fazer uma reportagem ou para denunciar tamanho sacrilégio contra a natureza. Só posso entender o fato de ser fim de semana, está meio chuvoso, e tudo isso pode tê-los levados a ficar desatentos. Ou porque só um abacateiro não produz assim tanto Ibope.
Para salvar o dia de tamanha tristeza pela perda do abacateiro apareceu na sacada, a minha outra janela, dois hibiscos amarelos gigantes. Normalmente, nos jardins, os hibiscos vêm em quantidades, mas na nossa pequena sacada florescem em conta-gotas, de um em um. Quando vêm de dois, como hoje, é uma festa. E coisa interessante, seus galhos estão apontados para fora, para a rua, mas hoje eles floresceram voltados para o lado de dentro, como a dizer, vim por vocês, essa beleza é só de vocês. Como a compensar a morte do abacateiro.
Junho, 2024

Acabei de ler outra crônica do Beto,meu amigo e colega de INFÃNCIA agora sobre o Abateiro e o Hibisco.Como sempre ele arrasa com muita sensibilidade e poesia,além de muito amor à natureza e ao meio ambiente.Parabéns BETO.
Olhar para os acontecimentos mais simples da vida... segredos para uma vida feliz! Adorei seu texto!