Gina
- Beto Scandiuzzi

- 12 de jun. de 2018
- 3 min de leitura
A velha Maria-Fumaça, como todos os dias, entrou ziguezagueando como um bêbado pela pequena estação de paredes de concreto cor cinza e teto de zinco amarelado pelo tempo. Um apito rouco e melancólico anunciou sua chegada. Os mais velhos diziam, olhos cansados, mãos calejadas no cabo da enxada:
– Eh, chegou o P2, que era como se identificavam os trens da Cia. Mogiana.
Chegava um pouco atrasado, mas isso pouco importava. Fora o gordo chefe da estação, com quepe preto e viseira de plástico, gravata fina e colorida que mal chegava à metade da barriga, eu era o único a esperá-lo.
Com os olhos bem abertos e atentos, deixo passar os velhos vagões de madeira, o vagão-restaurante, e dois de segunda classe. O de primeira classe estaciona bem em frente a mim. Entro rápido com medo de que possa partir de imediato. Não me passava pela cabeça perdê-lo. Dentro, deveria estar Gina, que eu havia conhecido por correspondência uns meses antes. A emoção de conhecê-la é forte e o coração bate enlouquecido. Busco-a por todos os lados, caminho até o fundo do vagão, volto, nada de Gina. O vagão está vazio, sem viva alma, e, antes que eu pudesse recobrar meus pensamentos, a velha Maria-Fumaça solta seu apito de partida e arranca lentamente.
Que houvera passado? Por que não veio como havíamos combinado? Enquanto mastigo minha decepção, aproveito para olhar o luxo do vagão. Nunca havia viajado de primeira classe: bancos de almofada cobertos de veludo vermelho com uns detalhes dourados e lustres com centenas de pedras de cristal transparente. Na janela, vidros biselados nas laterais com as letras C e M entrelaçadas no centro. No ar, um Roberto Carlos ainda desconhecido canta na sua voz melodiosa e afinada “quero que vá tudo pro inferno”.
Pela janela passam paisagens rurais, ora terras úmidas e vermelhas recém-aradas, ora plantações de cana que parecem um lençol verde gigante que sobem e descem seguindo o desenho irregular da terra. De vez em quando, gente do campo com um sorriso puro no rosto, acenam como se dentro do trem fôssemos todos parentes e amigos.
Triste e desiludido, ao som do repetitivo e ritmado tic-tac do trem, adormeço. Acordo com um leve toco no ombro; me viro e o que vejo me faz saltar o coração pela boca. Em pé, na minha frente, descalça, com um sorriso tímido, está a mais bonita mulher que eu havia visto na vida. De estatura mediana, delgada, cabelos soltos até os ombros. Do seu rosto lindo e juvenil se destacam uns olhos grandes e verdes como um mar do Caribe. Lábios grossos e bem delineados por um batom vermelho. O corpo mais parece um violino. Veste um conjunto de saia curta e blusa em cetim azul, e que deixa descobertos braços e ombros brancos e delicados como pétalas de jasmim.
Me levanto e lentamente encosto meu rosto junto ao seu e respiro seu alento cálido e perfumado. Em seguida a beijo, um beijo longo, esperado, apaixonado. Por baixo da blusa, com mãos trêmulas, busco acariciar os seus seios, duros, fartos, tesos, aveludados. Enquanto deixamos cair nossas roupas, suas mãos finas e delicadas me guiam rumo às estrelas. E juntos celebramos o amor por primeira vez.
No alto falante Roberto Carlos segue cantando e repetindo estar “amando loucamente a namoradinha de um amigo meu”. La fora o sol se havia escondido atrás dos montes e uma chuva fina e silenciosa escorre pelas janelas de vidros biselados.
Outubro, 2009

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