A padoca da esquina
- Beto Scandiuzzi

- 7 de dez.
- 3 min de leitura
Tem uma padaria aqui próxima da minha casa no Proença que ostenta, orgulhosa, numa placa de acrílico na parede da entrada, a data da sua fundação: 1971. Eu cheguei ao bairro alguns anos depois e ainda era uma padaria das antigas: pequena, poucas e simples prateleiras, um pequeno balcão freezer e que, basicamente, se dedicava a vender pão francês, leite de saquinho, biscoito e alguns produtos de primeira necessidade. De lá para cá, como que seguindo uma tendência nacional, apareceram as padarias premium, uma mistura de padaria com restaurante e mercado. Assim se transformou também essa que eu chamo, com ares de intimidade, de a minha padoca.
Os anos passaram também para mim, minhas filhas se casaram, tenho netos e a padaria se tornou ponto de apoio para quase tudo: o pão da manhã, o almoço, os quitutes do café da tarde, frutas, produtos para a limpeza da casa e tomar café lendo o jornal ou com algum amigo. É normal ir à padaria duas a três vezes por dia com direito de ser reconhecido pelos atendentes, caixas, guardador de carros e o segurança.
Quando meus netos me visitam, em alguns dias da semana, a primeira coisa que pedem é para ir à padaria como se fosse deles também. Lá, eles têm uma programação repetida com rigor inglês: primeiro, a máquina das bolinhas, aquelas que com uma moeda de um real, você gira a catraca e recebe de volta uma bolinha pula-pula colorida ou uma bolinha em cujo interior se encontram figurinhas de plástico de animais. Impossível não se impressionar com a emoção e a expectativa deles enquanto giram a catraca e pedem, de mãos estendidas, a ajuda do divino para receber essa ou aquela bolinha que falta na coleção.
Depois das bolinhas e de comprar o pão, pasteizinhos, iogurte, muçarela, o básico para o lanche da tarde, acomodados numa cestinha, é hora de pagar a conta. E aí que entra a segunda etapa do programa deles: doces, balinhas, chicletes estrategicamente colocados na fila do caixa e que eles vão elegendo, sem que o avô possa opinar; e a cereja do bolo: o Kinder Ovo. Não tanto pelo chocolate, mas pelo brinquedinho que vem dentro, um joguinho de plástico para montar. Uma vez montados, assim como as bolinhas, são deixados de lado e esquecidos em algum canto da casa. Alguma coisa errada? Não, assim são as crianças.
No caminho de ida como na volta vou cumprimentando as pessoas, moradores ou que trabalham na rua, que fui conhecendo nesses tantos anos por aqui. Os porteiros dos edifícios, os poucos que ainda restam, os que fazem caminhada, com ou sem cachorros, os da academia, os da loja de informática, do lava-jato, da lavanderia, os da banca de jornais. Com alguns paro e troco umas palavras ao que levou a netinha a dizer para a mãe que o avô conhece todas as pessoas da rua, um exagero que, vindo de uma criança, se perdoa.
Mas, modéstia à parte, tenho vários conhecidos nesse trajeto usado por tantos anos e que, reconheço, me fazem bem. Na maioria das vezes conversamos sobre futebol, coisas do cotidiano, quase nunca de política ou religião. Conversas que ajudam a passar e alegrar o meu dia. Para todas, sempre me despeço com um “fica com Deus”. Ao que, invariavelmente, escuto como resposta e com muita alegria: “Vai com Ele”. E eu vou.
José Humberto Scandiuzzi


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Outra crônica maravilhosa do Beto muito gostosa de se ler como as outras.Ele transforma as coisas mais corriqueiras em assuntos gostosos de se ler.Parabéns.
Grande Beto. Mais uma vez, descrevendo algo que ratifica nossa identificação. Agora são os netos. que netos!!!. Parabéns meu caro pelo belo texto. Grande abraço.
Sensacional, a parte que descreve o momento com seus netos, incrível! Quem sabe um dia eu relato algo similar, um dia, mas confesso que está próximo, você sabe da história!