O escritor e a IA
- Beto Scandiuzzi

- 26 de set.
- 2 min de leitura
Em 2020, quando por aqui já se falava na Inteligência Artificial (IA), mas pouco, e ChatGPT era uma sigla desconhecida em geral, escrevi uma crônica com o título: Poderia um robô escrever sobre o amor?, publicada aqui no nosso quase centenário Correio. Minha pergunta vinha dos prognósticos assustadores que indicavam que a IA iria substituir a forma de trabalhar das pessoas fazendo com que desaparecessem vários empregos. Estimava-se que quase metade dos trabalhos existentes corria o perigo de ser automatizada nas próximas décadas. Os escritores também estavam na lista, só que, segundo meu conceito à época, a IA os substituiriam, mas não todos já que, sem alma, sem sentimento, não seria capaz de escrever sobre o amor.
Passados cinco anos, já se nota o avanço da IA principalmente nas tarefas manuais. Robôs humanoides se preparam para trabalhar na linha de montagem da Tesla em substituição aos humanos, num caminho acelerado e irreversível. Por enquanto, advogados, economistas, motoristas, analistas financeiros, engenheiros, médicos, músicos e outros artistas continuam nos seus lugares de trabalho, mas agora acompanhados permanentemente por uma IA. Não se faz nada sem a ajuda dela como se fosse uma deusa suprema e onipresente.
E não é somente no trabalho que ela se faz presente. Na vida pessoal e cotidiana também, aconselhando o melhor restaurante, que remédio é bom para enxaqueca, como arranjar namorado com características definidas e por aí afora. Além de tudo isso, serve também para tarefas mais profundas como afugentar a solidão, espantar tristeza e desincorporar ariscos fantasmas. Ou incorporar.
Num áudio da BBC escuto que, Akihiko Kondo, uma pessoa comum, pouco atraente, tímido, nunca tivera uma namorada, 41 anos, casou-se com Hatsune Miku, renomada cantora japonesa, linda, enormes olhos azuis, talentosa, depois de alguns anos de relacionamento. Akihiko gastou R$ 68 mil e a cerimônia contou com 39 convidados. Tudo aparentemente normal, se Miku não fosse uma cantora virtual desenvolvida por uma empresa de software que vende pequenas caixas que projetam seu holograma. Na cerimônia foi representada por uma boneca de pelúcia vestida de noiva. Akihiko celebrou seis anos de feliz convivência e descreve sua vida de casado como bastante “cotidiana” e espera que chegue um momento em que seja possível interagir com ela de uma forma mais real.
Num artigo da Folha escrito por Pedro Dotto, leio que 2500 anos atrás, na Grécia Antiga, num período histórico da passagem da oralidade para a escrita, Platão advertia sobre “o risco da atrofia da memória pela confiança excessiva em registros externos e pela negligência da capacidade mnemônica”. Sem Platão, atualmente, algumas vozes filosóficas já se levantam sobre o uso descomunal da IA argumentando que tal prática embrutecerá as pessoas pela falta do uso da memória. Como se sabe, Platão tinha razão, mas perdeu, a escrita sobreviveu, o mundo seguiu girando, acho que para melhor. Também acho que sobreviremos à IA, porém muitos escritores perderão o trabalho, escrevinhadores como eu também. Se a IA será capaz de escrever sobre o amor, acho que sim, e até se apaixonar como mostra Hatsune Miku.


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Oi Beto, confesso que não sou nem um pouco chegado nessa tal de IA. Estamos perdendo a excencia das coisas. O real é o concreto se transformando em ?????
Ainda mais quando se trata de amor, seja ele qual for, o qual tem sido muito bem retratado por vocênos seus textos. Sou muito mais o escritor Beto. Abração
Suas crônicas são sempre muito atualizadas comentando sobre A IA ou sobre o novo técnico da seleção brasileira o italiano Carlo Ancelotti.E escreve de um jeito gostoso e alegre de se ler.Parabéns Beto.Escreva cada vez mais para nós. ABS.