A professora de música
- Beto Scandiuzzi

- 8 de mai. de 2020
- 2 min de leitura
Um amigo argentino de longa data me enviou dias desses um vídeo cruzando o aeroporto Charles de Gaulle de Paris mostrando um tipo tocando um piano de calda branco com uma pequena e silenciosa plateia ao redor. Deve ser anterior a esses tempos de Covid-19, quando ainda se podia viajar sem medo do bicho. Até aí nenhuma novidade, muitos aeroportos, estações de trem, de metrô em vários países tomaram a iniciativa de colocar pianos à disposição das pessoas comuns para que pudessem se aventurar.
O inusitado do episódio foi que, coincidentemente à sua passagem pelo lugar, soou no ar um tango, não um qualquer, não, simplesmente “Por una cabeza”, de Gardel. Me disse que, ao ouvir a música, parou de imediato, voltou sobre os próprios passos, se aproximou do músico buscando alguma identidade, algum conhecido, talvez o espírito valente do maestro Marianito Mores, mas não, era um tipo comum, jovem, barbudo, camiseta do Cristiano Ronaldo dos tempos do Real Madrid e aparência de árabe. E debitou o acontecido a essas coincidências do destino.
A ideia de colocar o piano nesses lugares públicos, à parte de entreter passageiros estressados em longas esperas, é aproximar a gente comum de um instrumento caro, elitista e acessível a poucos. E a aposta é alta quando o colocam em lugares menos sofisticados como a rodoviária de São Paulo, onde pude várias vezes comprovar o talento de desconhecidos.
Me lembro que já era adolescente, catorze, quinze anos, quando escutei por primeira vez a professora de música, dona Léa se chamava, tocar umas músicas no piano do colégio. Eu nunca soube que músicas eram, se de Chopin, Rachmaninoff ou Villa-Lobos, que eu tão pouco conhecia. O certo é que nunca pude esquecer aquelas notas suaves, melódicas, impactantes que vinham daquelas mãos mágicas, seguras, deslizando de um lado a outro pelo teclado em preto e branco. O fato dela saber tocar piano lhe dava uma aura distinta, superior às das outras professoras, pelo menos a mim me parecia, e sempre que escuto uma música num piano me lembro dela.
Saí da sala de música pisando no ar, flutuando, como que envolto em nuvens vaporosas, convicto de que seria um dia um pianista à altura de, no mínimo, da professora, a dona Léa, eu ainda não tinha outras referências. Os anos se passaram e eu nunca tentei cumprir a promessa nem com o piano nem com qualquer outro instrumento musical. Tão pouco cheguei a cumprir com outro sonho, esse mais antigo, de criança, ser maquinista da Cia. Mogiana.
Abril, 2020

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