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A saída é conversar. E ler!

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 11 de dez. de 2020
  • 2 min de leitura

Uma crônica antiga, de outros tempos, do Otto Lara Resende, dizia que, quando o pessimismo aumenta e a depressão ameaça, está na hora de ler. Poesia ou prosa. Era o que eu estava fazendo. Lendo e relendo. “Nunca deixe de ler pelo prazer de ler, sempre te ajudará”, me disse uma vez o professor Olaércio, para o garoto que eu ainda era e que tentava descobrir o prazer da leitura. É o que eu ando fazendo nesses tempos sombrios, bicudos, pandemia, redes sociais, boataria, notícias falsas, assuntos vazios, mesmices, cada um com a sua verdade, única, absoluta, sem se importar com a do outro, enquanto temas importantes, como desigualdade, pobreza, educação, ficam relegados e sem solução.

Gosto dos três Rubens, os escritores, do Fonseca, do Alves, mas o que mais leio e releio é o Braga. Dizem que era um verdadeiro sábio e mantinha com a vida uma relação direta, sem intermediários. Viveu exclusivamente de escrever crônicas, dizem que publicou mais de quinze mil, e se via um homem cruzar na janela já era motivo para uma crônica. Nessa crônica do Otto a que me refiro, no auge de uma crise dos anos 90 do século passado, Rubem lhe telefonou para ir ao centro do Rio, ao bar Luís, para ver a crise de perto.

Era a crise daqueles tempos, demoradas, de idas e voltas, mas o Rio ainda era o Rio, cidade maravilhosa, de encantos mil, da boemia, charme, com algumas luzes e riscos que bem podiam ser comparados com Paris, não esse Rio de agora dominado por milícias, narcotraficantes e políticos corruptos. Tomaram alguns chopes, estavam esplêndidos, segundo eles, comeram salsichão com mostarda, visitaram um sebo, comparam livros. Enfim, um programa cultural, sem nenhuma ajuda do governo.

Coincidência, leio no Correio desses dias, a crônica do Duílio Battistoni Filho, “Vamos conversar”, quando pergunta: “Será que estamos perdendo a capacidade de conviver com a pessoas e conversar?” E recorda da Campinas de outros tempos, com seus bares, mercearias, restaurantes, locais, onde as pessoas se reuniam e cultivavam o hábito do encontro e da boa prosa.

Caro Duílio, nasci num lugarejo às margens dos trilhos da Alta Mogiana, pouco mais de três mil habitantes, lá nessa época também os mais velhos tinham o hábito às tardezinhas, fazia muito calor, de se reunirem na praça da estação para conversar. Para conversar e escutar as notícias que um deles lia de um jornal, o único que chegava na cidade com vários dias de atraso e que não tinha nenhuma importância. As notícias eram sempre frescas. A vida era leve e sem pressa.

O lugarejo continua lá quase do mesmo tamanho, a praça também, mas vazia, os trens uma lembrança na memória, a estação foi derrubada, os velhos morreram, e, se as pirâmides ainda estão de pé em algum lugar distante, já ninguém mais chama o outro de compadre nem de comadre.

Mas eu concordo Duílio, a saída é conversar! E ler!

Setembro, 2020

NA: crônica publicada no jornal Correio Popular de Campinas no dia 3 de outubro de 2020.

 
 
 

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