A Visita da Rainha
- Beto Scandiuzzi

- 8 de mai. de 2020
- 3 min de leitura
Eu jamais havia visto meu pai tão preocupado. Nem quando pariu por primeira vez a Faceira, sua égua favorita, que ele havia ganhado de presente do patrão no dia do seu casamento, já promovido a capataz da fazenda Boa Sorte. Entrava e saía da casa, corria até o estábulo, falava com um empregado, com outro, dava ordens, tirava o chapéu de palha, coçava a cabeça, minha mãe o chamava e ele nem dava bola.
– Amanhã será um dia muito importante, filho, vamos ter a visita da rainha aqui na fazenda, me comentou ele passando a mão carinhosamente pela minha cabeça.
– A Emilinha Borba, rainha do rádio? – pergunto. Era a única rainha que conhecia de ouvir minha mãe falar.
– Não filho, a rainha da Inglaterra.
E eu fiquei a pensar como seria essa rainha.
O grande dia amanheceu igual a todos os dias de novembro, caloroso e um céu limpo e azul. Minha mãe me acordou e logo me avisou, – hoje não tem escola, filho. Vestiu-me a melhor roupa, só reservada para as grandes festas, me calçou meias compridas, botinas novas e me recomendou, – hoje, nada de chutar pedras pelo caminho, filho.
Pelas alamedas ladeadas de palmeiras imperiais, era um trançado de gente, mas todos correram em algazarra para a frente da casa grande quando se escutou um barulho de sirenes e carros. Era a rainha chegando. Primeiro desceram uns homens fortes como o touro Isaías, vestidos de preto e óculos escuros e olhares atentos. Eu tinha os olhos arregalados e o coração batendo forte quando a porta traseira do segundo carro preto abriu e desceu a rainha. Era jovem, bonita e vestia um vestido azul estampado, chapéu e luvas brancas. Olhou-nos e com um sorriso discreto saudou a todos.
O patrão se aproximou para recebê-la, vi que conversavam e fiquei curioso pensando, diabos, como podiam se entender. Lentamente caminhou em direção a casa e todos, sem saber o que fazer, abaixavam a cabeça em sinal de respeito. Ela passou ao meu lado, tão perto, que eu imaginei sentir seu perfume doce e fresco. Daí seguiu para o alpendre em frente ao pátio e se acomodou numa cadeira de couro para ver o desfile dos cavalos de raça da fazenda. O sol era forte e ela colocou óculos escuros se abanando com um leque colorido.
O primeiro cavalo que passou foi o Prateado, conduzido por Juca, que eu nunca havia visto tão arrumado, camisa verde e botas de montar. Depois passaram Kalunga, Montanha e Moreno. Mas acho que o ponto alto da festa foi o passeio que ela fez pela fazenda montada no Gauchinho, um alazão castanho com uma mancha branca na testa. Quando voltou, sorridente, se encaminhou para o almoço na sala da casa grande enfeitada com flores tropicais. Por uma porta entreaberta, acompanhei o movimento dos garçons, a rainha comendo delicadamente com talheres de prata e copo de cristal.
Foi quando tudo aconteceu, por baixo da mesa vi que a rainha tirou os sapatos. Usava uma meia fina e clara, e lentamente colocou seus pés pequenos no piso frio de mármore. Eu fiquei excitado, fora minha mãe e minhas irmãs, eu nunca tinha visto uma mulher descalça, muito menos uma rainha.
Terminado o almoço era hora de partir. Despediu-se, entrou no carro preto que saiu disparado levantando poeira e cascalho.
Aos poucos a fazenda foi voltando à normalidade. Meu pai foi descansar na sua cadeira favorita sob a varanda da casa. Um vento morno soprou balançando a copa das árvores e longe pude ouvir o canto das araras azuis que, em respeito à rainha, haviam ficado caladas.
Dezembro, 2013
PS – A rainha Elizabeth II visitou o Brasil uma única vez em 1968.

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