Além da vida
- Beto Scandiuzzi

- 11 de abr. de 2019
- 3 min de leitura
Correu mundo a notícia do acidente com o avião que caiu na Colômbia com o time da Chapecoense a bordo no dia 29 de novembro de 2016 e que deixou seis sobreviventes, três jogadores, um jornalista e dois tripulantes bolivianos. O primeiro acidente de avião com registro e sem sobreviventes com uma equipe de futebol ocorreu em 1949 com o time do Torino da cidade de Turim, Itália, e melhor time da Europa da época. Houve outros depois com mais mortes, mas este de Turim é o que mais lembro quando acontecem essas tragédias, talvez por ter acontecido no ano do meu nascimento, talvez por esta equipe levar a cor grená nas suas camisas, cor que o meu Aramina FC copiou e que eu defendi em tardes inesquecíveis lá na minha juventude no estádio Juvenal Campos.
Em geral os acidentes aéreos são fatais, um milagre, quando alguns, como no caso da Chapecoense sobrevivem. Nestes casos a curiosidade geral, minha também, é imensa em saber dos sobreviventes como foram aqueles momentos capitais donde se pode dizer que estiveram nos umbrais da morte, no limite, quase ultrapassando a fina linha que separa este mundo de algum outro.
Dos sobreviventes da Chapecoense não escutei nada que pudesse recordar aquele momento fatídico, crucial. Disseram que se lembravam do momento anterior ao acidente e o posterior já salvos ou acomodados em algum hospital algum tempo mais tarde. Chegaram mais não viram a morte de perto ou se viram não se recordavam, tão pouco daquele tempo transcorrido entre o acidente e o despertar no hospital, momentos que ficarão eternamente apagados das suas memórias.
Em 2010 Clint Eastwood dirigiu o filme “Além da vida”, que trata do tema da espiritualidade, do que pode haver depois da morte, um dos poucos enigmas que o Google ainda não resolveu. Um dos personagens é uma mulher que fica desacordada ao ser levada por um tsunami na Tailândia do qual se salva milagrosamente. Disse depois, quando acordou, que havia ultrapassado a tênue linha que separa a vida da morte e ter visto o outro lado, “tudo quieto, escuridão em toda parte e uma luz que chamava a atenção; ouvi o som de uma brisa suave, uma sensação de antigravidade, uma visão 360 graus, nenhuma noção de tempo ou movimento linear, mas onisciente, onipresente”.
Ainda no filme, muitas pessoas duvidaram da sua visão, mas uma médica que trabalhava com pessoas que haviam passado por experiências semelhantes confirmou a possibilidade do seu relato.
Eu tinha uns dezoito anos quando um desmaio me tirou do ar um par de horas como se eu tivesse morrido e ressuscitado. Também não me lembro daquele tempo entre estar bem com os amigos e acordar horas mais tarde na cama da minha casa. Eu nunca soube o quão cerca da morte eu estive, se é que estive, nenhum trauma ficou, mas algumas vezes me encontro pensando no que pode ter passado naquela tarde de primavera longínqua da minha juventude.
Os que se salvam milagrosamente da morte iminente tão pouco se preocupam com isso, desta lacuna do tempo; a pergunta que levarão para sempre, penso, é porque foram escolhidos para seguir vivendo, para uma segunda chance. Pode ser que cada um encontre sua própria resposta. Pode ser que não, quem sabe!
Janeiro, 2017
No dia 26 de março de 2019, jogando uma pelada com os amigos em Chapecó, morreu de infarto o jornalista Rafael Henzel. Ele era um dos quatro brasileiros sobreviventes da queda do avião com o time da Chapecoense em novembro de 2016. Apenas dois anos e quatro meses depois do acidente.

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