Cachi

Cachi é um “pueblito” localizado no norte argentino, província de Salta, já quase na divisa com a Bolívia. Casas pintadas de branco, baixas e paredes grossas de adobe, como que dormidas no tempo entre montanhas e o rio Calchaquí, que é pouco e nada no inverno e se enche e se agiganta com as águas do degelo quando chega o verão. Se chega lá desde a cidade de Salta depois de umas quatro horas de viagem de ônibus por caminhos pendurados em montanhas coloridas que quase tocam o céu e planícies a perder de vista, aqui e ali entremeadas com “cardones” que, sem pressa de crescer, parecem fantasmas com braços acima como pedindo socorro. Tem aproximadamente 3.000 habitantes, está a mais de 2.500 metros de altura e está rodeada por uma paisagem exuberante.

Em seus tempos primordiais foi habitada por povos originários, os diaguitas. Antes que chegassem os espanhóis com quem travaram uma guerra heroica e centenária, e perderam, chegaram os incas descendo do Alto Peru no que se denominou a “terceira expansão do Império Inca”. Com estes, mais desenvolvidos, foram incorporando novos costumes e modos de vida. Construíram caminhos, aprenderam de agricultura, têxteis, fortalezas, refúgios e também de santuários.

Os diaguitas tinham o costume de enterrar os seus mortos no lugar onde viviam e morriam. Os incas tentaram lhes ensinar que este era um mau costume, porque os mortos podiam contaminar a terra e a água e matar as pessoas. Os diaguitas não entenderam a mensagem e continuaram com este costume. Foi então que um inca mais inteligente lhes explicou que, se enterrassem os seus mortos longe do povoado e no alto das montanhas, estes estariam mais perto do céu. Deu certo, o cemitério, lá em cima, ainda está lá e é, segundo escutei e se não escutei mal, um dos mais altos do mundo. Sob um céu azul anilado profundo, misterioso, que não vi em nenhum outro lugar do mundo.

Maio, 2018

P.S.: Segundo o censo argentino sobrevivem hoje pouco mais de 30.000 diaguitas. Seu idioma, o “cacán”, há anos foi extinto.