Diário de um jovem combatente
- Beto Scandiuzzi
- 12 de mar. de 2019
- 2 min de leitura
– 4 de setembro – segunda-feira
Me chamo Esaú, tenho 34 anos. Curso atualmente a faculdade de Ciências Humanas com ênfase em Lógica e Pensamento Científico e Epistemologia e Filosofia e Metodologia da Ciência. Mas no semestre passado eu estudei Engenharia da Computação, após ter deixado pela metade o curso de Agronomia por uma incompatibilidade extrema com a vida rural. Meu pai, que é contador e trabalha no Banco do Brasil há 29 anos, reclama desta minha inconsistência profissional. Vive dizendo que assim não chego a lugar algum e que deveria fazer como ele, trabalhar no Banco do Brasil. Ele não entende que a gente deve ter suas próprias experiências e fazer o que cada um sente. E que nem penso chegar a um lugar definido. O “velho” está ultrapassado, imagina, tem o mesmo carro há 20 anos e um celular que só telefona.
– 5 de setembro – terça-feira
A Abigail bem que poderia ir de viagem com os pais. Acho que nosso namoro não vai longe. Às vezes penso que não deveria ter terminado com a Clara que sabia me entender e ficar ao meu lado em silêncio nas minhas intermináveis horas de reflexão. Mas confesso que tenho saudades da Dri, que era meiga e carinhosa. Minha mãe não concorda, acha que estou enrolando as meninas. A “velha” não entende nada, também, que opinião ela poderia ter se seu único namorado foi meu pai.
– 6 de setembro – quarta-feira
Acabo de chegar da loja da Apple. Comprei 10 novos aplicativos para o meu celular e que se juntam aos 126 que eu já tinha. Acho que vou pedir para o velho me comprar o novo iPhone, que lindo…
– 7 de setembro – quinta-feira
Ando estressado. Estou seriamente pensando em dar novo curso a minha vida, fazer algo de útil, ser solidário com o próximo. Estou entre ir para a Argentina e me filiar à Juventude Peronista e ajudar a controlar os preços da cesta básica nos supermercados. Ou ir pra Venezuela e me incorporar ao exército Bolivariano. O velho quase pirou quando lhe comentei desses meus planos e logo perguntou como eu iria sobreviver neste período: “com a minha mesada, ora”, lhe respondi.
– 8 de setembro – sexta-feira
Dormi pouco. Passamos quase toda a noite discutindo com a base a mudança do nome da sede do centro estudantil da faculdade. Atualmente se chama Karl Marx e queríamos algo mais atual. Ganhou Trotsky, mas Lenin também foi bem votado, e Ho Chi Min levou prêmio de louvor pela sua resistência heroica contra os imperialistas. A Abigail se foi antes, chateada, a sua escolha estava entre Stalin e Tupac Amaru.
– 9 de setembro – sábado
O Eric me ligou, está confirmado o apê do pai em Paris para outubro. Legal, aproveitamos a passagem para o congresso mundial da juventude socialista, financiada pelo fundo partidário, e esticamos uma semaninha por Champs-Élysées. Vou descartar a Abigail, Paris não combina com ela e essa sua mania de tomar banho todos os dias.
– 10 de setembro – domingo
Dormi todo o dia.
Novembro, 2016
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