Havia laranjas
- Beto Scandiuzzi

- 7 de fev. de 2020
- 2 min de leitura
Meses atrás, passeando pela cidade de Jujuy, norte da Argentina, topei com uma rua cheia de laranjeiras, uma ao lado da outra na calçada, com frutos maduros e que se podiam apanhar e chupar. Curioso com a novidade, provei uma. Estava doce, contrariando aquele samba antigo que cantava o Noite Ilustrada e que dizia: “laranja madura, na beira da estrada, tá bichada, Zé, ou tem marimbondo no pé”. Depois disso, observei que várias cidades adotaram a política de enfeitar suas ruas e praças com plantas frutíferas. Acho a ideia boa, oferece sombra e comida. Até lá no lugarejo onde nasci, plantaram uma fieira de mangueiras que são uma festa nessa época de primavera, colocando água na boca dos que passam pela rodovia que corta a cidade.
Nos tempos da minha infância quando cada um tinha um quintal no fundo da casa com parreiras de uva sabor de mel do tempo do avô e frutas de toda espécie, o problema era protegê-lo dos invasores noturnos. Mais brincadeira de quem não tinha o que fazer que outra coisa. Outro problema era passear pelas ruas arborizadas com fícus e os infernais “lacerdinhas” que habitavam aos milhares suas folhas e que era uma tortura quando algum escapava e entrava nos olhos. Até que foram cortadas e substituídas e nos livramos dos bichinhos.
Lá no nosso paraíso terrestre à beira do Rio Grande e que se chama Deus me Livre, mais lindo que o nome possa induzir, meu irmão Toninho decidiu plantar árvores frutíferas ao redor da casa que, já crescidas, disputam a atenção e a beleza com as farinhas-secas com seus troncos gigantes, copas ornamentais e que estão lá desde tempos incertos. Tem amora, jambolão, acerola, jenipapo, limão, laranja e até um pé de romã, rico em antioxidante, potássio, magnésio, que plantou o amigo Durval, e que ele apregoa curar qualquer doença, de joanetes, mau-olhado a noites mal dormidas por amores perdidos. As frutas são tão desejadas, que até um bando de tucanos, há anos desaparecidos, dá as caras diariamente em manhãs preciosas disputando a comida com sabiás, bem-te-vis, joões-de-barro, anus, pássaros-pretos e canários-da-terra.
Em Jujuy me contaram que a ideia inicial era plantar limão, mas, para surpresa geral, floresceram as laranjas sem que ninguém tenha uma explicação plausível. Lá no Deus me Livre, plantei minha primeira árvore, completando o trio de tarefas, ter um filho e escrever um livro, necessário para entrar no céu. Passado já algum tempo do plantio da árvore se pode vê-la já grandinha com uma linda copa arredondada. Devia ser um raro ipê-branco, mas até agora não floriu nada e os amigos estão desconfiados de que alguma coisa está errada. Quem sabe não florescem laranjas. Como os limões de Jujuy.
Novembro, 2019

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