top of page

Histórias de Buenos Aires

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 18 de jan. de 2019
  • 3 min de leitura

Roberto é hoje um senhor perto de completar oitenta anos, dono de uma pequena fábrica de tintas nos arredores do sul de Buenos Aires. Ao velho estilo, comanda sua empresa sozinho, sem celular, sem computador, apenas com a ajuda de duas moças, já meio balzaquianas, que ele convoca aos gritos sem parar: “Cristina, me traga isso, Beatriz, me traga aquilo”. E as duas se desdobram e passam o dia andando para lá e para cá atendendo aos pedidos do velho Roberto. Tem uma sala de trabalho que é uma total bagunça, peças para todo canto, jornais velhos e as paredes cobertas de pôsteres de artistas argentinas dos velhos tempos, Suzana Gimenez, jovenzinha, loiríssima, no centro.

Conheci-o quando vivíamos em Buenos Aires nos anos 90, Menem na presidência, época dourada e de pura ficção, quando um Peso valia um Dólar e qualquer caixa automático vomitava “verdinhas” a um simples comando. Me contava ele na época que ganhara muito dinheiro trabalhando para o velho Macri, pai do atual presidente argentino. Tanto que pôde comprar uma bela fazenda de centenas de hectares onde ele cultivava soja com uma bela lagoa ao fundo de onde se podia apreciar lindos entardeceres e pescar traíras de quilos. De vez em quando me convidava para o fim de semana na fazenda onde nos acomodávamos numa bela casa de madeira de dois andares em estilo alpino.

Me recordo que nesta época faleceu sua mãe, já viúva, uma senhora amável, risonha, descendente de búlgaros e que adorava me emprestar livros de um tal Roberto Fontanarrosa, um escritor argentino que eu não conhecia então. Passado o luto ele me convidou para acompanhá-lo até a fazenda. No caminho mostrou-me uma pequena maleta que ele explicou estar cheia de dólares que sua mãe havia deixado para ele com um bilhetinho: “Desfrute a vida, filho”.

– Aqui na cidade tem muito ladrão, vai ser mais seguro deixar a grana aqui na casa da fazenda.

E assim o fez. Algum tempo depois eu voltei para o Brasil e nunca mais o vi até que o encontrei outro dia e foi muito prazeroso nos lembrar dos bons tempos passados comendo bife de chorizo com batatas fritas e vinho malbec.

No meio da conversa, eu lhe perguntei da fazenda, se ainda a tinha e vi que ele se entristeceu. Deixou a comida e ficou pensativo. Alguns segundos depois, levantou a cabeça, olhos marejados me disse:

– Nem te conto. Ano passado foi um verão de muito calor e a casa da fazenda pegou fogo. Por sorte, não estávamos lá, quando chegamos no dia seguinte era tudo ruína e cinzas. Foi uma tristeza imensa. Mas veja só como é a vida, cada surpresa, te recorda que havia escondido na casa a maleta com dinheiro que minha mãe havia deixado? Revirando as cinzas a encontramos e digo mais, quase intacta com apenas alguns chamuscos, inclusive o bilhetinho: “Desfrute a vida, filho”.

Inacreditável, concordei com ele, um milagre, acrescentei.

Já recuperado, ele seguiu comentando:

– E vou dizer o que fiz com o dinheiro. Eu e minha mulher fomos conhecer a Europa, Paris, a Bulgária, rio Danúbio, parentes da minha mãe, meses viajando. Gastei todo o dinheiro, cumpri o desejo dela, que, onde estiver, deve estar contenta.

Eu tive que concordar mais uma vez com ele. E brindamos com outra taça de um puro malbec.

Salud! Tim-tim!

Outubro, 2018

 
 
 

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page