Histórias de Catanduva I
- Beto Scandiuzzi
- 6 de dez. de 2018
- 1 min de leitura
Desde pequena era conhecida como Setinha, ou Seti, pelo seu porte miúdo, raquítico, mas seu nome verdadeiro era Sétima. Sétima de uma família de onze irmãos, só ela mulher. Mesmo nascida no Brasil, seu pai, Sétimo, sétimo filho de uma família de imigrantes irlandeses do Norte, acreditava na lenda de que seu sétimo filho teria poderes mágicos. Sétima cresceu sob todos os cuidados, observada pelo pai que esperava a qualquer momento que tais poderes se manifestassem na sua filha, de acordo com a lenda.
Sétima nunca mostrou ânimo nem dotes para algum poder, nem de cura nem sobrenaturais, e o máximo que conseguiu foi ler, ou tentar ler, a sorte ou o destino das pessoas, de olhos fechados, recitando horóscopos desatualizados que ela decorava de uma revista feminina da época. Não foi, com muitas dificuldades, além do grupo escolar e da leitura básica. De uma beleza comum, casou-se com o primeiro namorado, vizinho de infância, teve dois filhos homens, ambos dentistas cujo consultório, que eles dividiam, ficava na própria casa materna. Muitas vezes sem ter o que fazer, já viúva, acompanhava, como ajudante, os procedimentos médicos dos filhos. Com o passar do tempo foi incorporando ao seu pobre vocabulário palavras como bucomaxílofacial, imagiologia, periodontite, prótese, canal, obturações, implantes.
Depois de alguns anos, quando algum cliente desavisado ou de urgência aparecia sem marcar horário e os filhos não estavam, ela mesma atendia, com sapatos e avental brancos, touca, máscara e luvas. O pai, já velho e cansado e que nunca havia desistido da lenda, olhava tudo aquilo e acreditava que ela finalmente havia adquirido os tais poderes mágicos.
Outubro, 2017
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