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Meu avô Gildo

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 8 de mai. de 2019
  • 2 min de leitura

Não tive a boa sorte de conviver com meus avós. Dos maternos, não cheguei a conhecer nenhum. Dos paternos, conheci somente minha avó Pierina. Filha de italianos, magrinha, alegre e extrovertida, com um lenço escuro permanentemente a cobrir a cabeça de cabelos longos e ajeitados atrás. Muitas vezes me salvei das surras da minha mãe debaixo das suas saias escuras e compridas.

Mas é o meu avô Gildo, avô paterno, que eu mais gostaria de ter conhecido. Meu pai e meus tios contam que ele era uma boa pessoa. Sensível, amável, divertido e querido por todos. E bom pé de valsa. A imagem que tenho dele vem de um retrato pendurado na parede da casa dos meus pais. Uma cabeça pequena, testa arredondada e alta, bigode ralo que mal cobria a boca de lábios finos e uma expressão de bondade infinita. Dizem que meu pai foi o mais parecido com ele. Morreu quando eu apenas engatinhava.

Meu pai e meus tios brincavam que não era lá muito chegado ao trabalho. E, quando lhe perguntavam por quê, respondia sem pensar, filosofando:

– Para que trabalhar? O mundo vai acabar logo!

Gostava de espingardear uns veados com os amigos (como dizia o Verissimo no seu belíssimo Solo de Clarinetas), mas a maior parte do seu tempo passava sentado num banco de madeira, na soleira da porta do casarão, cachimbando e bebendo goles demorados de cachaça de engenho. E de vez em quando mandava uma boa cuspida num buraco do assoalho de madeira escurecida da casa. Não errava uma.

Católico e festeiro, não havia dia sem reza do terço nem sábado sem baile. Um dia saiu de viagem. E o mundo realmente acabou. Para ele. Ou terminou um para começar outro, quem sabe.

Seus restos foram levados para o cemitério da sua Aramina, cumprindo um desejo dele. Dizia que ali ficaria perto do armazém do seu amigo Abi Dão. Na mão, para um dedo de uma boa cachaça e cinco minutos de uma boa prosa.

Agosto, 2008

 
 
 

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