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Na antessala do urologista

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 5 de out. de 2018
  • 2 min de leitura

A gente sabe que os horários das consultas médicas servem pouco. Quase e tão somente uma referência para não perder o dia. Afinal, poucos médicos respeitam os horários marcados. Mesmo assim, chego sempre antes da hora agendada. Desnecessário! Também desta vez o médico se atrasou. E muito. Enquanto espero, folheio revistas velhas. Na sala outras pessoas aguardam sua vez.

– Cena 1

Duas senhoras, de meia idade, entre uma chamada e outra no celular, conversam. Em voz baixa. Mesmo assim, acabo por ouvir o colóquio.

– Você não sabe – diz uma delas. – A Laura está impossível. Não quer comer. Chego a lhe dar comidinha na boca e a danadinha nada. Não sei o que fazer.

– Não se preocupe – diz a outra. – A Ane às vezes também se comporta assim. Vai passar.

– Não sei – repete a primeira. – Ainda por cima, não quer dormir no seu quarto. Todas as noites se aloja na nossa cama.

– Ah, não se preocupe. Às vezes a Ane também vem dormir na nossa cama. A gente deixa uns dias. Depois passa.

– Estou preocupada – insistia a primeira. – Acho que vou marcar uma consulta com seu veterinário.

Veterinário? Quase caio da cadeira. Fecho os olhos. Reflito! Parecia que estavam falando de suas filhas. Mas não, falavam das suas cachorrinhas. Ou de suas filhas? Coisas da vida moderna!

– Cena 2

Um senhor entra pela porta. Deveria estar beirando os noventa. Boné na cabeça, magro, encurvado, óculos tipo fundo de garrafa, passos lentos, bengala de apoio. Muitos anos para carregar. Cumprimenta a todos com um largo sorriso e uma alegria indisfarçável no rosto.

Diz que veio de longe para a consulta. E que a viagem havia sido linda. Havia cruzado montanhas, vales e planícies. Tudo muito verde, aquele verde tropical, único desta época de chuvas de primavera.

A enfermeira o chama para a consulta. Vai contente. Meia hora depois volta. Parece mais feliz ainda. Entra na sala com os braços erguidos e punhos cerrados como um artilheiro ao comemorar um gol. E diz radiante: “Passei, passei. O médico me aprovou.”

Sim, havia sido aprovado. Uma vez mais havia sido aprovado. Na faculdade da vida, imagino, já deveria ser maestro ou doutor. Sim, um doutor, nesta arte difícil de viver driblando as armadilhas da vida. Uma lição de vida!

Abril, 2018

 
 
 

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