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Notas de viagem

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 8 de jun. de 2020
  • 2 min de leitura

Viena, 23 de maio.

Quando eu era moleque, anos 60, lá no lugarejo onde nasci, gente simples, ninguém se preocupava muito com a pronúncia correta das palavras. Para se ter uma ideia, o famoso ator americano Fred MacMurray era conhecido como “Fredmasquemarruai”, o Zagalo, recém-campeão do mundo, era Zégalo. Nessa época, moravam lá dois irmãos, ambos amigos do meu pai. Um era conhecido como Zé “Istriaco”, tinha um caminhão Chevrolet Gigante, dos poucos que haviam por lá, e vivia de fazer fretes. Ele tinha umas filhas bonitas, loiras, era pai do Zé “Carlin”, da minha idade, meu amigo, que, sem dinheiro para a chuteira, jogava futebol de botina amarela, couro de vaca, fabricada na sapataria dos Lacerda. E mesmo assim, improvisado, dava um baile lindo na gente.

O outro irmão era conhecido como Carlos “Istriaco”, era pedreiro dos bons, havia construído a igreja de Santo Antônio, e uma vez um caminhão, sem freio, abalroou a sua casa. Ele estava dormindo no quarto do fundo da casa, caíram paredes, telhas, tijolos, caibros, ripas pra todo lado. Mas ele não teve nenhum arranhão. Nem a mulher. Talvez um milagre do Santo.

Muitos anos mais tarde eu fiquei sabendo que “Istriaco” não era sobrenome, era apelido. É que eles eram descendentes de austríacos, deveriam ser chamados por Zé e Carlos Austríaco, mas lá na minha Aramina, onde se torcia e se simplificava tudo, eles nunca chegaram a ser austríacos, foram sempre “Istriacos”.

 Budapest, 6 de junho.

Estávamos na linda estação Keleti de Budapest, construída no final do século 19 em estilo eclético, à espera do trem que nos levaria de volta a Viena, uma viagem de pouco mais de duas horas. Era uma linda manhã, céu azulado, chegamos bem antes do horário, e logo nos sentamos num banco ao lado de um homem e um menino que conversavam animadamente. A espera é longa, o cansaço dos já longos dias de viagem se acentua e num momento me levanto para esticar as pernas. Caminho um pouquinho e giro o olhar em direção ao senhor sentado ao nosso lado e quase tenho um enfarto, era a cara do tio Anésio, sem tirar nem pôr. O mesmo olhar alegre, o mesmo pescoço curto, bigodinho aparado e fino, a mesma testa larga e os cabelos ralos. Bem, o nariz não era tão italiano como o do tio, mas isso era apenas um pequeno detalhe que não modificava a obra final.

Se eu fosse da religião espírita, que acredita em reencarnação, diria que o tio havia nascido outra vez. Em Budapest.

2015

 
 
 

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