Novos tempos
- Beto Scandiuzzi

- 8 de mai. de 2020
- 2 min de leitura
Por todos esses anos de andanças pela Argentina, um país que aprendi a admirar e onde tenho muitos amigos, nunca vi uma mulher na “parrilla” tomando conta do churrasco, uma típica paixão de “los hermanos”. Nem nas casas que frequentei nem em restaurantes. Melhor seria dizer que nunca havia visto porque uns meses atrás, quando ainda se podia viajar, me surpreendi na casa de um amigo vendo que quem cuidava do churrasco era a mulher. E ainda por cima jovenzinha, olhos azuis, toda maquiada e vestida a caráter com aquela roupa de “gaucha” com “bombacha” e chapéu.
Havia que ver como se movimentava, gestos calculados, serenos, decididos de quem sabe o que está fazendo, a habilidade com as facas, na escolha da lenha, na preparação das brasas, no corte e tempero das carnes, a hora certa de tirá-la da “parrilla”, bem ou malpassada de acordo com o gosto de cada um. E com direito a indicar o melhor Malbec para acompanhar. Dizia ela que sua especialidade são as “entrañas”, que eu nunca gostei mesmo tendo provado alguma vez por insistênciados amigos.
Engraçado que dias depois, olhando a internet, me deparo com uma notícia que tratava do assunto. Dizia que na Argentina mais e mais mulheres tomam conta da “parrilla”, invadindo uma área até então exclusiva dos homens. A mulher do meu amigo não era exceção.
Fiquei com essa coisa na cabeça por vários dias e conclui que não havia nada de raro com a esposa do meu amigo. Se as mulheres avançam nas “parrillas”, os homens também tomam conta do fogão e mostram suas habilidades em pratos sofisticados de dar água na boca.
Veja o caso dos meus genros, há anos os vejo cozinhando ou ajudando na cozinha tanto por prazer como porque entendem ser correto dividir com as esposas as tarefas da casa. Eles não são exceções nessa vida moderna. E sempre que os via na cozinha eu os olhava desconfiado, afinal mesmo sendo filho de um pai que sabia cozinhar, e bem, nunca me aventurei na cozinha. Nem para fritar um ovo. Por falta de gosto e, admito, por comodidade. Para desgosto da Vera o do Fefê.
Bem, acontece que nesses tempos de pandemia, de dias repetitivos, arrastados, intermináveis, sem muito o que fazer, estou tentando ajudar na cozinha. Já lavei alguns pratos, servi a mesa e me arrisquei no fogão. Aos poucos. Comecei fazendo o arroz, simples, branco e o resultado não é ruim. Não queimou nenhuma vez. E já fui elogiado.
É certo que falta muito para que eu me arrisque por pratos mais sofisticados como steak tartare, lagosta grelhada com alcaparras ou bobó de camarão, mas um dia, quem sabe, eu chego lá. Confesso que estou gostando e, por que não, pode ser que eu me torne no futuro um “chef”. Não para ser uma estrela de TV, não, mas para o gasto! Não justifica, mas compartilhar esses momentos nos ajuda a passar melhor tempos de incerteza e solidão na esperança de tempos melhores.
Abril, 2020

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