O amigo João
- Beto Scandiuzzi

- 8 de jul. de 2019
- 2 min de leitura
Eu devia tê-lo conhecido na época do colégio, o antigo Instituto de Educação de Igarapava, eu uns dois anos à sua frente. Mas a verdade é que se o conheci não me lembro. Estranho é que lembro bem do seu pai, dono de uma loja, creio que se chamava Casa Rádio, que além de consertar e vender rádios, bicicletas, vendia também TVs, um objeto de desejo que tardou anos entrar na nossa casa. Coisas da memória.
Mas uns dois anos depois, eu já em Uberlândia na faculdade, ele apareceu pela mão do amigo Durval que fora morar na minha república e fazer o cursinho. O João que o conhecia e que frequentava o mesmo cursinho ia frequentemente à república para estudar. Logo, um colega da república se foi e o João ocupou o seu lugar. Chegava o João, nascido no dia do santo, renascia o Perilampo, apelido com o qual seria definitivamente identificado no grupo.
É dessa época que me vêm as melhores lembranças dele. Casos, histórias que nos faziam rir de perder o fôlego cada vez que nos encontrávamos. Como aquela quando chegou à república assustado, olhos arregalados como quem havia visto o diabo. Que nada, ele havia ido substituir um colega numa aula de química no colégio e os alunos o deixaram apertado com perguntas que ele não sabia responder passando um mal momento. Ele jurava que havia sido uma armação. Ou quando o encontrei sentado na sala da república tarde da noite, meditativo, fumando com uma garrafa de pinga sobre a mesa. Ele logo disse que havia trocado a pinga por um relógio e, caindo em gargalhadas, me disse que ainda havia levado vantagem. O relógio, de fato, não deveria valer grande coisa, mas a pinga era boa. Junto com o amigo Durval formou uma dupla infernal, atazanando a vida de cada um da república com brincadeiras e gozações. Eu sofri um bocado nas mãos deles.
Se formou engenheiro, trabalhou em várias empresas, teve seu próprio negócio e, em 2010 entrou na CPFL, sendo logo transferido para João Pessoa, Paraíba. Nossos contatos mais frequentes passaram a ser via WhatsApp e era comum ele enviar uma foto de um relógio da orla da praia de Tambaú marcando a hora, ainda madrugada, e a temperatura, já elevada. Acho que era só para nos assustar.
Inteligente, convicto, mudou a vida do amigo Durval ao fazê-lo trocar o curso de engenharia civil para elétrica. Meigo, doce, amigo, alegre, nobre, companheiro, para ele estão somente os bons adjetivos, e desconheço quem não o queria bem. Algumas semanas atrás, repentinamente, ficamos sabendo que ele não estava bem e numa última vez que nos falamos por telefone, entre boas lembranças de outros tempos, ele me disse que iria sair dessa como já havia saído de outras. Não saiu, semana passada fomos visitá-lo e seu estado era crítico. Morreu nessa segunda-feira. Que descanse em paz!
Julho, 2019
“A morte não é nada.
Eu somente passei para o outro lado do Caminho.
Eu sou eu, vocês são vocês.”
Santo Agostinho

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