O Café é uma festa
- Beto Scandiuzzi
- 12 de mar. de 2019
- 2 min de leitura
Lá na cidade onde eu fiz a faculdade, Uberlândia, já com as suas dezenas de mil habitantes e crescimento acelerado advindo da sua posição estratégica na construção de Brasília (a meio caminho de São Paulo, de onde ia tudo de que eles precisavam), os moradores, provincianos, simples, ainda tinham o hábito de se sentar na calçada em frente das casas nos finais de tardes para tomar a fresca e conversar com os vizinhos. Também para fofocar. As faculdades recém-criadas trouxeram estudantes de todo o Brasil, e cada família acalentava a esperança e o sonho de que a filha pudesse se enganchar com algum deles. Em muitos casos funcionou, e sou prova cabal, maior desta verdade.
No centro da cidade havia um Café muito popular e que estava sempre cheio, dentro e fora na calçada. Era conhecido como Butantã, em alusão ao famoso Instituto Butantã de São Paulo, onde se criavam cobras e vacinas. É que no Butantã, o Café, além de cobras também havia lagartos e toda espécie de répteis carnívoros. Ali se falava e se fofocava de toda a cidade, da baixa e da alta sociedade esquentando ouvidos por todo lado.
Faço um corte e volto aos dias atuais para falar, já falei outras vezes, do Café que eu frequento quando estou à toa. O café não é dos melhores, mas o bom é que a distância da minha casa até ele permite ir caminhando, colocando os músculos já meio entrevados para trabalhar. O Café não tem nome nem me consta que tenha apelido, mas bem que poderia ser chamado de Butantã, a exemplo do Café que havia lá na cidade onde estudei. É que, à parte de desocupados de passagem como eu, está frequentado por grupos de pessoas que estão lá para falar da vida alheia. É o que eu escuto, olheiras em pé, sentado no meu canto ouvindo tudo, disfarçado, enquanto olho as ofertas da semana do supermercado.
Tem também outras coisas, certo tarde surpreendi um casal de amantes na mesa ao lado. Como é que eu sabia? Ora bolas, só podem ser amantes se ela, uma cinquentona, beleza comum, fica olhando para o cara, ele também um cinquentão, o tempo todo como um jacaré chocando o ovo. E nem café tomavam. Além disto, de vez em quando se acariciavam as mãos com anéis que pareciam alianças e roçavam as pernas um no outro por baixo da mesa. É muito raro que casais comuns façam isso em público a altura do campeonato. Eu coloquei toda a minha atenção tentando ouvir alguma coisa, mas não, falavam tão baixinho que me era impossível escutar algo. Prova de que algum segredo havia.
De repente ele se levantou e se foi em direção à avenida Princesa. Por um momento ela ficou ali cabisbaixa consultando o celular. Alguns minutos depois ela meteu o aparelho na bolsa, se levantou, entrou no supermercado e se dirigiu ao setor da floricultura. Comprou vários vasos de flores de onde pude destacar um de rosas vermelhas. Depois passou pelas bebidas e levantou uma garrafa de champanha. Pagou a conta e se foi. A esta hora fico imaginando que a sua casa deve estar toda cheirosa e florida com a mesa posta e a champanha gelada. Só não sei dizer para quem será toda a festa.
Outubro, 2017
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