O dia em que nasci
- Beto Scandiuzzi

- 9 de jul. de 2020
- 3 min de leitura
Meu começo. Nasci de parto natural, o que era normal naquela época. E com a ajuda da minha avó Pierina que nas horas vagas também era parteira. Na casa dos meus pais já que maternidades por lá não havia. Se na cama onde eu havia sido gerado isso eu já não tenho certeza, disso nunca me contaram. Minha mãe sofreu como sofre qualquer mãe em qualquer parto. Talvez um pouco menos, nesse caso, ela já experiente, sendo eu o quarto da fila, vestida com a roupa e chapéu do meu pai numa das muitas simpatias que se fazia naqueles tempos de escassos recursos. Foi o que me contou a Tia Nininha muito tempo depois.
Creio não haver deixado a plateia frustrada: gritei, esperneei, fazendo o papel que de mim esperavam. E nem foi necessário que alguém me soprara uma baforada de fumaça de cachimbo, como havia passado com Picasso, o pintor, que nascido teimava em não nascer. Tao pouco me jogaram rum para me reanimar, como havia passado com Gabriel G. Márquez, que nasceu enrolado no cordão umbilical, o que o quase o mata estrangulado.
E, sendo homem, fiz a alegria da casa e do avô Gildo, que esperava a notícia cachimbando sentado numa pedra que havia debaixo da parreira que havia na nossa casa. Filhos homens eram mais esperados; afinal, havia que garantir a força para lavrar a terra, coisa que eu nunca fiz.
Na minha casa, a folhinha na parede da cozinha com um Jesus estampado, cravado de espinhos e mãos estendidas, marcava 12 de julho. Uma terça-feira de Lua cheia. São João Gualberto era o santo do dia, e sua pouca popularidade por lá acabou por trair a fé cristã da minha mãe; caso contrário, eu teria sido João, e não José.
No calendário egípcio, sob o signo de Ísis, a deusa egípcia mais importante, eu deveria ser sensível e amoroso. Já no calendário chinês, sob o signo do boi, deveria ser gentil, amante da paz e com uma grande força física. Mas no calendário grego, sob o signo de câncer, o caranguejo acabou sendo decisivo para o resultado final.
O ano havia começado, como sempre e para sempre, esperando o carnaval. Império Serrano e Mangueira sagravam-se campeãs. E, como sempre, já pensavam no carnaval do próximo ano. Em São Paulo um tal de Asdrubal Euritysses da Cunha assumia o comando da prefeitura. Getúlio Vargas decretava pela segunda vez o horário de verão, mudando o horário do sol que a gente usava de relógio.
Lúcio Alves cantava e encantava no rádio, enquanto a Itália em comoção chorava a tragédia aérea que vitimou toda a equipe do Torino, a melhor equipe de futebol da época. Muitos séculos atrás, César, o romano, se presume, também havia nascido nesse dia. E nem tantos anos atrás, em Parral, nascia o chileno, poeta e prêmio Nobel, Pablo Neruda.
Mas nada disso tinha muita importância por lá onde eu havia nascido. Meu pai, mãos grossas, como todos os dias, sob um sol tropical, trabalhou a terra. Á noite, na casa grande, depois da reza do terço, houve arrasta-pé com sanfona e viola, com autorização do avô que bailou como sempre com feias e bonitas. Depois de alguns tragos, dormiu.
Dia do Engenheiro Florestal. Dia da Independência do Quiribati e de São Tomé e Príncipe. Além disso, nesse dia, não houve nada de muito importante, nem grandes notícias. Eu nasci e me somei a essa insignificância.
Julho, 2020

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