top of page

O fantasma da Mogiana

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 7 de out. de 2019
  • 3 min de leitura

Quem passa pela cidade de Batatais não pode deixar de visitar a belíssima Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus da Cana Verde que hospeda, vaidosa, o maior acervo de pinturas de Portinari. Naquele fim de semana de novembro, de chuva fina, sol e céu limpo, meu destino final era Franca, onde eu iria encontrar uns colegas da faculdade. Eu já havia passado horas antes por Brodowski, cidade natal do pintor, onde ao lado da casa onde ele viveu uma época, está o estádio de futebol onde eu, ainda um adolescente, fiz minha estreia no time do Aramina FC. Lindas e indeléveis lembranças cruzaram pela minha cabeça e não pude evitar que uma lágrima de saudade rolasse pelo meu rosto.

Mas em Batatais, além da igreja com Portinari nas paredes, eu estava atrás de uma lenda, a lenda do Fantasma da Mogiana. Já falei das histórias que o tio Anésio me contava na varanda em frente à sua casa. Uma delas falava do time de futebol de Batatais dos anos 30, que havia se tornado invencível por aquelas bandas da Mogiana. Por essa odisseia e pelo temor que causava nos adversários o time ficou conhecido por Fantasma da Mogiana. E fui conhecer o estádio onde esses fantasmas um dia haviam jogado e feito história.

Rumo na direção indicada e, como me haviam dito, o estádio está ao lado do cemitério. Desço do carro bem em frente ao estádio e por um instante busco na memória algum detalhe que me levasse às histórias do tio Anésio. Talvez o portão principal, alto, imponente, talvez esta escadaria já gasta, mas com certeza estas cores vermelho-escarlate e branca que enfeitam suas paredes, as cores do time, as mesmas daqueles tempos de gloria.

Estava entretido nesses pensamentos e nem noto a aproximação de um senhor já de idade, alto, magro e um olhar de expressão cansada. E me fala numa voz baixa e pausada:

– O senhor não é daqui, certo?

Explico que não, que estou de passagem para conhecer o estádio que um tio me falava, onde havia jogado o lendário Fantasma da Mogiana.

– É verdade responde ele. Nunca houve um time como aquele. Tá vendo o cemitério? Muitos jogadores daquela época estão enterrados aí. Dizem que em noites de lua cheia eles saltam os muros, entram em campo e jogam futebol. A noite inteira.

Ante a minha cara de assombro, ele emenda:

– De que cidade era o seu tio?

– De Aramina, uma cidade da alta Mogiana, respondo de imediato.

– Ah, Aramina responde pensativo. Sei, uns italianos, grandões, caneludos e que jogavam com uma camisa grená? Lembro-me deles. Havia alguns bons de bola, mas a defesa era só de “butinudos”.

No que me diz isso, meneia a cabeça, olha para o céu, consulta o relógio de pulso prateado e se despede.

– Foi um prazer, meu nome é Batatais. E sai caminhando em passos lentos, cruzando a praça em direção à baixada que leva para o centro da cidade.

Levo uns minutos para me recompor. Sua última frase me martela a cabeça e não consigo parar de pensar nela. Lembrava-me vagamente que o tio havia comentado algo sobre um tal Batatais. Subo no carro e sigo caminho em direção à Franca. Quando chego lá, a primeira coisa que faço é ir à internet. Poucos segundos depois lá estava a informação que eu buscava. Batatais era o nome do goleiro daqueles anos dourados do Batatais FC. Depois jogou pelo Fluminense do Rio e outros clubes. Morreu em 1960.

Quando leio essa última linha, um gelo percorre minha espinha e pensamentos vários cruzam e turbinam minha cabeça. Se ele havia morrido em 1960, quem era esse Batatais que havia conversado comigo há pouco? Nunca vou saber, talvez fosse tudo minha imaginação ou talvez fosse mais um fantasma da Mogiana que havia escapado do cemitério.

Novembro, 2012

 
 
 

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page