O milésimo gol
- Beto Scandiuzzi

- 4 de dez. de 2019
- 2 min de leitura
“Ajudem as criancinhas desafortunadas, que necessitam um pouco de quem tem muito. Pelo amor de Deus, o povo brasileiro não pode perder mais crianças”.
Assim se manifestou um emocionado Pelé ao comemorar o seu histórico milésimo gol. Foi num 19 de novembro como esse que passou, 50 anos atrás. Eu cursava o primeiro ano da faculdade e com os amigos da república e milhões de brasileiros de todos os times e de todo o Brasil, acompanhávamos o jogo Vasco x Santos, à espera do milésimo gol de Pelé. A expectativa era imensa, o jogo já andava pelo segundo tempo quando aos 38 minutos Renê, o zagueiro do Vasco, fez um pênalti no Pelé, marcado sem hesitação pelo árbitro pernambucano Manuel Amaro de Lima. Pelé ameaça não cobrar, desconversa, imaginando, talvez, que tal gol deveria ser de placa, com dribles e arrancadas espetaculares que só ele era capaz de fazer.
Mas o que Pelé não contava era com o grito uníssono que veio da arquibancada lotada do Maracanã pedindo para que ele cobrasse o pênalti. Afinal, todos ali queriam ser partícipes daquele momento que entraria para a história do esporte mundial. E então, devagarzinho, Pelé ajeita a bola na marca, recua uns poucos passos, corre, faz a sua imperceptível paradinha e coloca a bola no lado esquerdo do goleiro Andrada que se esparrama pelo gramado. Pelé corre para dentro gol, agarra a bola, a beija e sai nos ombros da torcida que havia invadido o campo.
Daquela noite inesquecível, Andrada, que era argentino e que entrou para a história não por suas defesas milagrosas (era chamado o “Gato Andrada”), mas por haver tomado o milésimo gol de Pelé, disse muitos anos depois: “Pelé chutou, toquei a bola porém, não consegui espalmá-la. Com o tempo, as coisas mudaram, me acostumei com a realidade e agora convivo muito bem com o milésimo gol”. Coincidentemente, Andrada morreu em setembro passado. Sua fama o levou a receber um respeitoso minuto de silêncio nos jogos do Brasileirão.
Renê, o zagueiro do Vasco, passou a vida tentando explicar não ter sido ele quem fez o pênalti no Pelé. Ele apenas estava perto do lance, mas levou a fama. Fernando, o outro zagueiro, foi o autor do pênalti, mas nunca reclamou a autoria. Ambos vivem atualmente no Rio de Janeiro.
Manuel Amaro de Lima, faleceu em 2009 vítima de câncer. Ele disse anos depois: “Marquei aquele pênalti com convicção, estava muito próximo do lance”. Muitos dizem que ele apitaria um pênalti inexistente se necessário. Era outro que queria entrar para a história.
Pelé, aos 79 anos, tem alguns problemas de locomoção após algumas cirurgias no quadril. Na Argentina, nossos históricos adversários, todos duvidam dos seus mil gols, que dizem incluem até os que ele fez em treinos, jogando nos seus tempos do Exército e nas peladas de praia.
Quanto às criancinhas do Brasil, desde então muito pouco foi feito por elas. O Brasil ainda ocupa um incômodo 92° lugar entre 223 países com mais mortalidade infantil no mundo. Atrás da Síria e da Líbia que vivem em estado de guerra. Muitos dos que escapam dessa dura estatística não têm futuro. Triste Brasil!
Dezembro, 2019

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