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O nosso amigo Jonas

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 14 de out. de 2020
  • 3 min de leitura

Pensei nele muitas vezes nesses dias tão logo soube da sua morte, talvez pela surpresa ao sabê-la, de repente, vários meses depois do acontecido. E as lembranças que a memória me traz dele, primeiras, são as antigas, eu ainda um garotão de brotoejas e cabelo cortado à escovinha. E o vejo jovem, quando já jogador do Botafogo FC de Ribeirão Preto e vinha de férias ao nosso lugarejo. Posso vê-lo nítido no bar do Sô Oswaldinho, taco de sinuca na mão, calça rancheira com a barra dobrada, sapato esporte sem meia, camisa fora da calça, chamando nossa atenção, desacostumados com essas modernidades que ele trazia da cidade grande. Personificava o sonho que já andava pela minha cabeça: jogador de futebol profissional, sonho meu que a pouca habilidade com a bola deixou pelos caminhos.

Depois dessas imagens há um vazio, afinal levávamos uma distância de mais de sete anos, e nas próximas eu já sou um adolescente que adorava jogar futebol já defendendo a gloriosa camisa grená e branca do Aramina FC sob a batuta do técnico Joãozinho. Foi nessa época que ele, sem contrato, se juntou ao nosso time. Era como se hoje o Messi fosse jogar ao nosso lado. Nos sentíamos invencíveis, mais com os treinos físicos que ele nos dava na semana, toda uma novidade. Mas durou pouco, me lembro da tristeza que se abateu sobre todos no dia em que apareceram os diretores do AA Orlândia para levá-lo. Era também o meu último ano no meu lugarejo e o fim daqueles tempos gloriosos.

O contrato com o Orlândia foi curto, uma miopia o forçou a parar aos 25 anos de idade e ele voltou para o nosso lugarejo quando fincou raízes definitivas. Eu, já na faculdade, seguia desfrutando da sua companhia nos fins de semana jogando no Aramina FC que ele treinava ou nas serenatas apaixonadas a puro bolero mexicano, céu estrelado e lua cheia. Além de bom de bola, sabia cantar e tocar violão, coisa que eu também admirava e nunca soube aprender.

Seu ápice na carreira, acho, foi em 1966 quando jogou na Ponte Preta e teve a oportunidade de formar num combinado campineiro que enfrentou num amistoso a seleção brasileira de Pelé, Garrincha e Djalma Santos que se preparava para o mundial da Inglaterra. Quando se aposentou do futebol se refugiou na nossa Aramina e foi trabalhar no armazém do pai vendendo de agulha a elefante como ele costumava brincar.

Ele ficou por lá desfrutando daquele calor mágico de verão eterno, daqueles pores do sol multicoloridos sobre o vale do Rio Grande, dos amigos de sempre, que falam a nossa língua, onde as casas têm quintais, e jardins, o céu é cheio de estrelas, com gente que ainda faz promessa e acredita em Deus. Nos vimos pouco nesses últimos tempos, a última vez em frente à casa dos meus pais e ele já não andava bem, mas o suficiente para um papo e um abraço apertado que eu não imaginava que seria o último.

E pensando nele não consigo deixar de pensar nesse tempo de serenata, violão e madrugadas, ruas e esquinas desse lugarejo que conheço como a palma da minha mão, esse estádio Juvenal Campos que já não existe onde desfilávamos cada fim de semana como se fôssemos deuses, tempo que se foi…. Quando os amigos se vão, um pouco de nós também se vai!

Outubro, 2020

 
 
 

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