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O outro

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 5 de nov. de 2018
  • 2 min de leitura

Eram os últimos dias do ano, inicio de verão, de brisa morna e sol luminoso. Como sempre nessa época, andava de férias na casa dos meus pais. Sozinho, sentado na praça da Estação, num daqueles bancos de granito, oferta dos primeiros moradores da cidade, observei um homem que vinha na minha direção.

A meia distância não o podia reconhecer, mas, a medida que se aproximou, sua figura se foi conformando. E perplexo conferi que ele era muito parecido a mim, diria quase uma cópia. Fixei bem os olhos para que a luz dos raios do sol não me confundisse a vista. Sim, podia dizer, era eu caminhando na minha direção.

Não exatamente eu, porque se via que era mais jovem, rosto ainda liso, os cabelos ainda fartos e pretos e o andar firme que eu sabia já não ter mais. Quando o tive ao alcance da voz, perguntei-lhe:

– Quem é você?

E ele me respondeu:

– Eu sou você, numa voz que parecia eco da minha.

E continuou:

– Lembra-se de quando você se foi daqui ainda jovem, em busca do mundo? É, eu fiquei, eu sou a parte sua que não queria ir, mas que você não sabia.

– E, como nunca nos vimos nesses anos todos, que fez todo esse tempo? – arrisquei-me a perguntar.

– Nada especial, acordo bem cedo, igual ao pai, a tempo de ver o sol nascer por cima do morro dos Torrezans no fundo da nossa casa. E durmo também cedo, nem bem as primeiras estrelas se juntam no céu. Outro dia descobri que a estrela D’alva, em dias de verão, aparece um pouco mais tarde que a constelação do Cruzeiro do Sul. E que nem todas as chuvas chegam pelo lado do vale do Rio Grande, como a gente dizia antes.

– E…

– Sou professor, lembra-se quando com o Jorjão e o Délcio montamos o curso de Admissão ao Ginásio? Hoje ajudo alunos em recuperação, gratuitamente. Jogo futebol, truco, converso com os amigos. E leio, gosto muito de ler. E de vez em quando ainda faço umas poesias, para o gasto. Ah, aprendi a pescar, coisa que você nunca gostou. Sabe, é impossível viver aqui sem saber pescar.

– E porque nunca nos encontramos antes? – insisti.

– Acho que não havia chegado o momento, não estávamos preparados.

–  … e por que vejo você assim tão jovem?

– É impressão sua, eu não tenho idade, eu sou a parte sua dos sonhos, a que não é jovem nem velha, a que nunca morre.

Nem bem terminou a frase, se virou e se afastou lentamente. Dobrou a esquina da rua de Baixo e eu o perdi. E nunca mais voltei a encontrá-lo.

Hoje, passados tantos anos, sentado no mesmo banco, da mesma praça, me pergunto se realmente houve tal encontro ou se foi tudo um sonho. Enquanto reflexiono, entre nostálgico e melancólico, olho em direção ao céu e noto que a constelação do Cruzeiro do Sul está chegando. Um pouco antes do que a estrela D’alva.

Dezembro, 2011

 
 
 

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