Por um sonho
- Beto Scandiuzzi
- 25 de abr.
- 2 min de leitura
Conheci um cronista aqui da cidade, dos antigos, que, em busca de assuntos para os seus escritos, usava sempre o ônibus para se locomover: da casa ao jornal, do jornal à casa e, às vezes, tomava um qualquer, com destino ignorado. Quase sempre, segundo ele, voltava com alguma boa ideia para os escritos, tirada do cotidiano das pessoas que viajavam, da paisagem diferente que corria pela janela ou, simplesmente, da mudança da rotina diária. Também cronista, de fim-de-semana, vez ou outra, também me faltam assuntos. E pensei: Vou copiar meu amigo, vou andar de ônibus.
Há anos que não uso ônibus urbanos. A última vez, década de 70, quando os CCTC, os chamados “bois vermelhos”, ainda dominavam o transporte público da cidade. Foi então que, numa destas manhãs ensolaradas de verão, antes das chuvas torrenciais vespertinas, com as devidas informações de horário, itinerário, tiradas do Google, guarda-chuva na mão, por precaução, me aproximei do ponto de ônibus, uns cem metros distantes da minha casa na avenida Princesa D’oeste. O destino, o centro da cidade com parada final na rodoviária.
Me espera meia dúzia de pessoas, a maioria mulheres, bolsas e filhos dependurados nos braços. Quase todas olham o celular, mal respondem o meu bom-dia. O ônibus, com as cores do Bugre e umas andorinhas estilizadas pintadas na carroceria, chega. Subo. Um jovem me ajuda a validar o bilhete, que eu havia comprado na banca do Roberto, em frente da padaria Piracam. Quase todos, habituais dos ônibus, têm o bilhete eletrônico. Nem sinal dos antigos cobradores, profissão que desapareceu com a internet.
Me sento enquanto o ônibus cruza a Princesa em direção à Ponte Preta. Atrás de mim senta um casal de jovens que já estava quando subi. Conversam, riem gostosamente. Têm um sotaque familiar, interiorano, meio caipira. Tento escutar a conversa. Pelo que vou entendendo, se conhecem de viajar no ônibus, mas, coincidentemente, são da mesma cidade do nordeste paulista, do mesmo bairro e torcem para o mesmo time. Alguns amigos em comum. Mas nunca se haviam encontrado antes. Se formaram no final do ano passado.
Tocando a buzina o motorista se irrita com um carro que lhe passa à frente sem sinalizar quando o ônibus deixa a Aquidabã e toma a José Paulino em direção ao centro. O casal segue conversando. Eu escutando. Chegaram há pouco na cidade, estão buscando trabalho. Ela conta que tem muita esperança de conseguir um logo após o Carnaval.
¾ O Brasil só começa depois do Carnaval, diz ele dando uma risadinha. Gostam da cidade, querem viver aqui.
Vencido o centro, o ônibus, agora já quase lotado, vira à esquerda na Benjamin Constant e estaciona ao lado do Mercado Municipal ainda em reforma. Resolvo antecipar a descida e penso no que ouvi daquela conversa dos dois jovens do ônibus. Penso na minha história, parecida à deles. Muitos anos atrás, jovem, recém-formado, também cheguei na cidade em busca de trabalho, na esperança de construir família, criar raízes, como eles, atrás de um sonho. No meu caso, um sonho desacelerando. No deles, um que acaba de começar.

José Humberto Scandiuzzi
É engenheiro e autor de três livros de crônicas. Escreve no blog www.blogdobeto.com.br
Amo tudo que vc escreve 💞 Sempre me sensibilisa 👏
O BETO é um escritor nato e realmente tem o dom se escrever bem.Agente lê as suas crônicas com muito prazer.Parabens.