Soltando Pipa
- Beto Scandiuzzi

- 9 de jan. de 2020
- 2 min de leitura
Não pude deixar que um sorriso luminoso invadisse meu semblante quando a Rô me enviou uma foto do Fefê soltando pipa. A foto abriu as portas do tempo, do tempo passado, do tempo mais antigo da minha memória, do tempo da minha infância.
Quando se aproximava junho sabíamos que chegavam as festas juninas, tempo de balões, fogueiras e tempo de soltar papagaios. Sim, papagaio, era assim que chamávamos o que hoje se diz pipa, maranhão. Logo depois de junho, vinham as férias escolares e seguíamos soltando papagaios até que entrava agosto, com seus ventos fortes, inadequados para os nossos frágeis pássaros de papel. Eu deveria ter uns sete, oito anos quando comecei a brincar com os papagaios.
Tão prazeroso como soltá-los era construí-los. Com os centavos filados da casa, corríamos até o Armazém do Bilo para comprar o papel, conhecido como papel-manteiga. Era o único material comprado, já que a cola era caseira, feita de farinha de trigo e vinagre e as varetas eram de bambu que se conseguia em qualquer lugar. E a linha, bem, a linha pedíamos emprestada da gaveta da Singer da minha mãe.
Foi meu amigo Jorjão, entre uma e outra cavalgada com seu inseparável burro chamado Piloto, quem me ensinou a fazer o primeiro papagaio. O cuidado com o papel, a escolha do bambu, que deveria ser flexível e leve, mas de boa resistência. Passávamos horas nessa tarefa, alisando o papel até deixá-lo sem dobra, o corte perfeito para que não rasgasse ao primeiro vento, a cola no lugar certo e nunca em excesso.
O detalhe mais importante era o rabo. Dizia-se que, se o rabo não estivesse bem-feito, o papagaio não subiria. Em geral eram feitos com aros de papel que se iam armando como uma corrente. Às vezes era único e comprido, às vezes eram dois ou três separados e mais curtos.
Depois, era seguir em fila até o campo de futebol, o maior espaço que havia, e correr de peito aberto contra o vento esperando que o papagaio não nos decepcionasse e respondesse ao nosso comando balançando a cabeça, subindo em direção ao céu azul e sem nuvens.
Lembro-me que uma vez um vento mais forte cortou a linha, e o papagaio foi embora. Foi uma tristeza vê-lo balançando a cabeça até sumir na linha do horizonte, sem poder fazer nada. Em vão, tentamos encontrá-lo.
Alguns anos mais tarde, quando saí da casa dos meus pais, sonhei várias noites com aquele papagaio perdido. Eu acordava suado e não tinha explicação para o sonho. Que me queria dizer o papagaio sem linha, furando o horizonte e desaparecendo no infinito? Depois disso, nunca mais sonhei com papagaio nem me lembrei do papagaio perdido.
A memória é um mistério, guarda lembranças que vão e voltam. Outras, como a do papagaio, que ficam escondidas, mortas. Até o dia que chegou a foto do Fefê. E então aparecem nítidas, com todos os contornos e cores como se fossem de ontem.
Maio, 2012

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