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Um encontro inverossímil

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 10 de ago. de 2020
  • 3 min de leitura

Eu era ainda muito jovem e já escutava dos mais velhos a história do “maracanazo”. Para quem não sabe, na tarde do dia 16 de julho de 1950, setenta anos atrás, dia da Nossa Senhora do Carmo, com o estádio do Maracanã, o velho, com mais de 200.000 pessoas, a seleção do Uruguai calou o Brasil e ganhou a copa do mundo de futebol. Essa vitória improvável e inesperada ficou conhecida como o “maracanazo”.

Em 2010 visitando Montevidéu não pude deixar de visitar o estádio Centenário, considerado monumento histórico do futebol, construído para o primeiro mundial em 1930. Imponente, majestoso, o passar dos anos em nada reduziu sua beleza e charme. Visitar seu museu, que está sob uma das arquibancadas, é como voltar no tempo. Com um acervo rico em troféus, fotos, objetos, se pode reconstruir a história do futebol da primeira metade do século XX, do Uruguai e do mundo. Já estava por sair do museu quando um senhor que trabalha aí se aproxima e me diz ao ouvido num bom portunhol:

– Sr., sabe quem é aquele muchacho que está sentado ali?

Olho na direção apontada e vejo um senhor sentado num banco próximo e digo-lhe que não, nem ideia.

– Ali está El Negro Jefe, Obdulio Varela.

Eu já tinha ouvido falar dele e não pude deixar de sentir um arrepio por estar próximo a essa lenda do esporte mundial, aquele que havia comandado a vitória sobre o Brasil em 1950. Aproximo-me dele, ele me nota e eu, entre temeroso e aflito, pergunto se poderia sentar-me ao seu lado. Ele permanece calado o que para mim era um sim. Sento-me e me apresento. Quando lhe digo que sou brasileiro, ele me olha e me oferece um sorriso tímido e cansado. O tempo havia passado, porém se podia notar seu físico de ex-atleta, ainda forte, ombros largos, cabeça eternamente para o alto. Em seguida, num tom amável me diz:

Tenho certeza de que me vai perguntar sobre o maracanazo, não? Todos perguntam!

Apenas me recupero da surpresa de ouvi-lo falar um quase perfeito português, lhe respondo:

– Sim, mas não mais que cinco perguntas ok?

– Ok, me responde, me dando uma palmadinha na perna.

– Que você disse aos seus companheiros antes de entrar em campo naquela final de 1950?

Disse a eles, vamos tranquilos, não olhem para cima, não olhem para as arquibancadas, o jogo se joga aqui embaixo.

– O que você fez à noite, logo depois daquela partida?

Deixei o hotel e saí a caminhar sozinho pelas ruas, àquela hora completamente vazias. Entrei num bar e pedi uma cachaça. Para minha surpresa, os brasileiros me reconheceram e me felicitaram. Muitos deles ficaram tomando comigo até de madrugada.

– É verdade que, anos mais tarde, você se disse arrependido de haver ganhado aquela final?

É verdade, se tivesse que jogar aquela final outra vez, faria um gol contra. Ao ganhar aquela final, só os cartolas uruguaios ganharam e só fizemos arruinar a festa dos brasileiros.

– Qual foi a partida mais difícil da sua vida?

Foi quando estreei no Club Deportivo Juventud. Eu era muito jovem e minhas pernas tremiam.

– O dia mais triste?

Quando morreu minha mulher. O mundo acabou para mim.

Baixou o olhar e pude ver seus olhos minados em lágrimas. Levantei-me, dei-lhe um forte abraço e lhe agradeci por aqueles momentos inesquecíveis que havia passado ao seu lado. Lá fora, um céu azul cristalino e sem nuvens encobria a cidade às margens do Rio de La Plata. Por muitos dias não pude deixar de pensar naquele encontro.

Junho, 2020

N.A. – Obdulio Varela morreu em 1996, poucos meses após o falecimento da sua esposa.

 
 
 

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