Um intocável
- Beto Scandiuzzi

- 12 de mar. de 2019
- 3 min de leitura
O Ford negro voava pelas ruas escuras de Chicago. Não havia tempo a perder. O trem sairia em poucos minutos e Al Capone havia planejado embarcar nele seu guarda-livros com destino a Miami. “Ele vai estar neste trem, agarrem-no”, haviam sido as últimas palavras de Malone entes de morrer sobre uma poça de sangue crivado de balas no seu apartamento. Prender o guarda-livros era a única chance de levar Al Capone a julgamento com alguma chance de condenação. Não por seus crimes, mas por sonegar os impostos. “Pouco importava”, dizia Vallace antes de morrer baleado no elevador da Central de Polícia.
Entramos pela porta principal do majestoso edifício da Estação União em estilo neoclássico, toda em mármore claro, com um pé-direito altíssimo, que lhe dava mais grandiosidade e imponência, e colunas maciças em estilo romano. Uma abóbada gigante tomava quase todo o hall central e ao fundo uma bandeira americana ocupava a maior parte de uma parede. Encontrava-se quase vazia àquela hora da noite. Apenas dois empregados limpavam o piso. No grande hall central o relógio redondo com fundo branco e ponteiros dourados marcava 11h55. Às 12h05 partiria o trem. Posicionei-me no alto das escadas ao lado da porta. Stone desceu até o hall central, vigiando a entrada sul. Esperamos. Minutos eternos. O silencio era total, às vezes quebrado pelo ruído de algum passageiro apressado que entrava pela porta central em direção às plataformas de embarque.
Meio-dia, no autofalante, uma voz metálica anuncia a saída imediata do trem a Miami. De repente, aparece uma senhora levando seu bebê num carrinho. Tenta subir as escadas em direção à saída. Mas não consegue, tenta tranquilizar o bebê, que chora. Nova tentativa de subir o carrinho. Em vão. Era só o que faltava, penso com meus botões. Por que não a ajudo, pergunto-me. Sim, deveria, mas não quero me distrair. Os bandidos podem chegar a qualquer momento. Prometi a Malone que iria até o final, com Al Capone atrás das grades. Imagens da minha família passam pela minha cabeça, penso no meu filho que acabara de nascer e decido ajudá-la. Estava já por terminar de subir o carrinho, cruzando o último degrau, quando a porta pesada e maciça se abre num golpe seco e entra o guarda-livros, trêmulo, escoltado pelos capangas de Al Capone. Armados até os dentes. Lembrei-me de uma das primeiras lições de Malone: “Dispare rápido, dispare primeiro”. É o que faço. Inicia-se um violento tiroteio, balas voam por todos os lados, o carrinho do bebê me escapa e desce escada abaixo. A pobre mãe se desespera. Tento proteger o bebê, e proteger a mim. E que não escape o guarda-livros. Stone vem em meu auxílio. Quatro bandidos caem fuzilados e o último, desesperado, agarra o guarda-livros como escudo. E ameaça matá-lo com o revólver na garganta se não o deixamos partir, em cinco segundos. E começa a contar:
“Um, ….” e não chega a completar dois, caindo fuzilado com o crânio partido por um tiro certeiro de Stone. O guarda-livros estava em nossas mãos. Iniciava-se o fim de Al Capone. O bem havia triunfado sobre o mal.
Subo vagarosamente as escadas gastadas da estação e olho para trás a tempo de ver ainda o velho relógio com ponteiros dourados. Por uns minutos me senti Eliot Ness. Um intocável.
Chicago, junho 2008
PS: Union Station, construída em 1924, é a principal estação de trem de Chicago e uma das mais lindas do mundo. Palco de uma cena antológica do filme Os Intocáveis, de Brian De Palma.

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