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Riese, Ano 1884

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 12 de mar. de 2019
  • 2 min de leitura

Eu nunca tinha visto a igreja de São Matteo Apóstolo tão linda. Sua nave principal desbordava de lírios, violetas e jasmins frescos. No altar, velas grossas com o símbolo cristão gravado no seu corpo, queimavam lentamente, iluminando o santo e deixando no ar um cheiro leve de parafina. Através das suas ventanas altas e de meia folha entravam, finalmente, depois de meses de inverno agudo, raios de luz e ares de primavera. Do alto da sua torre lateral, de quando em quando, seu sino badalava ritmado e lembrava aos moradores que o dia era de festa.

Pela rua principal, de terra batida e com árvores ainda desnudas do inverno recente, era um corre-corre de gente, um alarido que vinha de todo lado, gritos de crianças, chiado de carroças, relincho de cavalos. O povo humilde, desacostumado, vestia suas melhores roupas, disponíveis somente para exclusivas ocasiões.

A razão de tanta algazarra era o bispo Sarto, recém-ordenado, e que, como um ato de gratidão e homenagem, havia decidido visitar sua cidade natal. Ele era uns tantos anos mais velho que eu, mas me lembro de escutar meu pai contar que o via passar, ainda jovem, em frente a nossa casa, à pé, dia após dia, à caminho da vizinha Castelfranco, distante um par de quilômetros, onde fizera os seus primeiros estudos.

– O Beppe ainda vai ser papa, sempre dizia ele.

Ele era filho de Giggio, carteiro da cidade e que vivia num sobrado a meia quadra da nossa. Uma família numerosa e pobre como quase todas. Naquela manhã de céu azulado, terminada a missa que ele rezou, o povo fez fila para saudá-lo. Eu era um dos últimos e quando se aproximou me impressionou sua altura, a luz que emanava do seu olhar e a humildade com que se dirigia à sua gente.

– Como vai Antonio, tudo bem?

Eu me surpreendo ao ver que ele me reconhecia.

– Tudo bem senhor… ele percebe minha timidez, me coloca a mão no ombro e diz:

– Peppe, me chame Peppe, Antonio, como sempre. Você ainda mora na casa grande vizinha à nossa?

– Não, respondo, me casei com uma Basso, de Loria, tenho três filhos, moro agora na rua de trás.

– E como estão as coisas, me pergunta com uma voz interessada, cálida e macia.

– Não muito boas, respondo meio envergonhado. Aprendi o oficio de carpinteiro, como meu pai, mas falta trabalho, estou pensando em imigrar para as Américas. Dizem que lá tem muito trabalho e está tudo por fazer.

– Que Deus ilumine seu caminho Antonio. E com seu santo rosário, que levava na mão, e que levaria até sua morte, me benze com o sinal da cruz, água benta e me dá um abraço.

Pouco tempo depois, me despedi dos meus pais e irmãos e me dirigi a Gênova. Esperava-me o navio San Marco que me levaria ao novo mundo, para nunca mais voltar.

Março, 2014

Este diálogo, incerto, improvável, se passou entre Giuseppe Sarto, mais tarde papa e Santo Pio X, e Antonio Scandiuzzi, meu bisavô, ambos oriundos e contemporâneos de Riese, província de Treviso, Itália. Em Fevereiro de 1887 Antonio Scandiuzzi chega ao Brasil.

 
 
 

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